“Em que você se inspira para criar suas narrativas?”
Essa é a pergunta que mais tenho ouvido de leitores do meu romance “O Segredo da Boneca Russa”.
“Sinceramente, não sei”, respondo, diante do semblante desapontado do interlocutor.
Entendo que é natural querer saber de onde vem a inspiração dos escritores. Eu também tenho essa curiosidade. Mas tudo o que posso dizer é que as minhas “inspirações” não têm fórmula pronta. Um simples passeio de bike pode transformar tudo.
Lembro que, em 2014, eu estava em Paris iniciando a criação da personagem-narradora, Joëlle, e saía diariamente no final da tarde – de bike ou a pé – para dar uma relaxada.
Em uma dessas escapadas, cheguei ao Jardin du Luxembourg e não quis devolver a bike na estação velib que fica bem ao lado. Então, tive que caminhar empurrando a bicicleta, já que não é permitido pedalar dentro no parque.
Foi exatamente esse detalhe que me permitiu observar melhor uma das mais espetaculares esculturas do local. Eu já estava cansada e resolvi sentar em uma das cadeiras que circundam a Fonte Médici. Encostei a bike na grade da fonte e, nesse momento, aproximou-se um jovem casal. Eles ficaram abraçados em silêncio admirando a bela obra.
A visão dos dois apaixonados diante de Acis e Galatea inspirou-me a criar André, o namorado que Joëlle deixou em Paris quando partiu com a mãe para o Brasil. “Caminhamos de mãos dadas até a Fonte Médici, um lugar que eu considerava mágico. (pág. 92)
De outra vez, eu caminhava pela rue Fleurus quando reparei em um grupinho animado de turistas fotografando em frente a um prédio. Diminuí o passo para observá-los discretamente. Falavam em inglês e apontavam para uma placa na fachada. Quando eles se afastaram, pude ler que ali havia morado Gertrude Stein. Resolvi incluir o fato no trajeto diário da sonhadora Joëlle. (pág. 141)
Enfim, caminhando ou pedalando, a tal “inspiração” me chega da forma mais inesperada. Penso que tem mais a ver com intuição, sensibilidade, de enxergar a complexidade da vida em situações aparentemente banais. É isso.