Tem gente que faz qualquer sacrifício para ficar mais bonita. A ditadura da beleza manipula nossos incuráveis complexos com a ajuda de todas as mídias ‘impossíveis e inimagináveis’. Até que eu acho válido lançar mão de uns truquezinhos para destacar o que temos de melhor. Seria o cabelo? Então, invista em cortes, bons cremes e xampus. Ou as pernas? Traga-as bem depiladas e hidratadas. Os dentes? Escancare um sorriso a cada minuto. Igualmente aceitável é driblarmos a implacável natureza. Braços muito grossos sob mangas largas, baixa estatura sobre saltos Empire State, pés desproporcionais disfarçados com… Bem, quanto aos pés, veremos adiante.
O que me inspirou a escrever sobre o tema foi uma reportagem da Sônia Bridi acerca de determinado conceito de beleza da cultura chinesa pré-Revolução Comunista: pés femininos minúsculos. Quanto menores, mais bonitos. Fico me imaginando com minha exuberante numeração 37; Estaria condenada ao caritó, tão feia seria considerada pelos podólotras mandarins.
Pois bem, as chinesinhas das gerações mais antigas tinham seus pezinhos infantis enfaixados tão fortemente, que chegava a quebrar-lhes os ossos. Tudo para fisgar no futuro um marido, de preferência cheio da grana. Ricas e sem conseguir se equilibrar em bases tão diminutas, as hoje bisavós estão fadadas a usar as faixas nos pés até morrer.
Mas se você pensa que esse fetiche dos homens por tal extremidade do corpo feminino é coisa do passado e da banda direita do planeta, segure-se firme sobre suas plataformas. Do lado de cá, em pleno século 21, milhares deles têm verdadeira adoração pelos pés delas. Claro que a versão pós-moderna tem pouca semelhança com a dos chineses machistas da era pré-camarada Mao.
Para os padrões estéticos ocidentais, o tamanho do pé da moça não importa muito. As fixações masculinas por aqui arriscam tudo no (des)equilibrado jogo da sedução. Uns preferem dedos simétricos e cavas acentuadas. “Pé chato, joanetes, calcanhar com rachaduras, nem pensar!”, disparam os mais exigentes. Contudo, nem todos os podólatras almejam perfeição. “São raros, mas há quem goste de pés sujos, com calos…”, tenta convencer um site que exala chulé (eca!) por todos os hipertextos. Sim, até os mais desagradáveis odores femininos “podem ser objeto de admiração masculina”, insiste a página da internet.
Nessa ciranda dos cheiros, há uma tese que nos iguala aos bichos. Estudos recentes concluíram que a atração sexual entre pessoas segue a mesma química dos animais, ou seja, são os feromônios – substâncias liberadas pelo corpo, inodoras ao ser humano – os responsáveis pela libido, em bom português de revista masculina, ‘tesão’. Embora chulé e estrógeno não sejam odores do mesmo frasco, melhor garantir, trazendo o seu pezinho – e todo o resto – limpo e perfumado. E agradeça por seu parceiro não ter olfato canino.
Sabia que existe até um dicionário das situações que deixam os pés-fetichistas excitados? Bare feet é curtir a mulher andar descalça (baixinhas descontentes com a altura estão fora); Crush é observar a parceira esmagando frutas, comidas e objetos com os pés (só não sei se o cara come as frutas); Dangling é o balanço – inconsciente ou não – que ela faz ao tocar um pé no outro, quando está sentada com as pernas cruzadas (atenção, meninas, segurem os pés, ou chacoalhem ainda mais); Footjob é quando ela masturba o parceiro com os pés (isso é o que chamo ‘meter os pés pelas mãos’); Smell feet é o cheiro de meias usadas ou pés sujos (inhaca e mau gosto não se discute); Trample é uma espécie de sadomasô, eles pisoteados por elas (complexo de barata, haja terapia!); Worship é um tipo de veneração, beijar, lamber, morder e ‘degustar’ os pés dela (dizem que há mais adeptos do que se pensa)…
Enfim, cada pé tem o maníaco que merece. Os cultores do bom senso e equilíbrio emocional alertam para a tênue linha que separa prazer saudável e obsessão. Que o ideal seria curtir o corpo da amada por inteiro. E que tudo demais é veneno, principalmente chulé. Que desmancha-prazeres, hein?
(*) Artigo de Celma Prata publicado, originalmente, na Revista Moda Shoes Brasil, Ano 2, N. 4, Maio/2013