Que tal um dedo de prosa?
Já faz um tempinho que tive o enorme prazer de conhecer pessoalmente alguém que sabe só TU-DO sobre música e filmes antigos, carnaval e outras cositas mas que abrandam a nossa sede e fome de cultura.
Estou falando de Christiano Câmara, um apaixonado pela vida e pela onipresente Douvina, sua incrível companheira durante as últimas seis décadas. Os dois vivem arrodeados por um acervo que inclui, dentre outras raridades, alguns milhares de discos de cera e vinis, os ‘bolachões’, em um lugar repleto de história, encanto e amor.
Se me pedissem para definir o Christiano em uma só palavra, eu diria ‘jovial’. Sabe aquele espírito irrequieto e aberto dos jovens? Para honrar o ditado das exceções, contudo, evitem tentar convencê-lo a usar essas geringonças pós-modernas, como “a tal da infernet” e telefonia celular.
Ele e Douvina recebem amigos e desconhecidos, no melhor estilo ‘pode chegar!’, sem formalidades, sem agendar dia nem hora, em sua acolhedora – e sempre aberta após as 14 horas – casa, que fica ali por trás da Catedral Metropolitana de Fortaleza.
As paredes da sala e quartos são forradas por centenas de fotos, pôsteres e quadros. Quando você pensa que não há mais espaço para afixar um minúsculo selo, eis que surgem cozinha, corredores e banheiros dispostos a acolher o recorte do jornal que publicou a última entrevista com ele, a frase de alguém famoso que ele decidiu perpetuar ou a declaração de amor eterno que escreveu para Douvina quando completaram 47 anos de casados: “Que importa que a morte (física) possa vir, se nós já tornamos imortal o nosso amor?…”.
Nosso incansável colecionador dedica as madrugadas, quando a maioria dos mortais dorme, para regravar fitas de filmes antigos, que depois assiste com Douvina: “Tem coisa melhor do que cinema no conforto do nosso canto?”, ela comprova com seu eterno sorriso e bom humor, saindo apressada para passar o batom quando me vê tirando a câmera da bolsa.
Em uma das salas, vejo fotos de família. Vou correndo os olhos pelos rostos sorridentes, enquanto Douvina debulha os nomes das filhas e netos. “Esta não é a Sarinha?”, me adianto. Ela responde, entre orgulhosa e surpresa, com outra pergunta: “Você conhece a minha neta?”. Coincidências… A essa altura, já me sinto parte da família. O casal é exatamente assim, faz qualquer um se sentir como se de casa fosse.
Voltando do enorme quintal com uma impressionante árvore centenária, tomo o caminho da porta de saída, parando ainda várias vezes diante do acervo de Christiano. “Está vendo esta marquesa?”, pergunta Douvina, apontando para a bela poltrona antiga de madeira, com assento de palhinha natural. Uma das filhas resgatou a peça de um lugar que desprezou seu inestimável valor e deu-a de presente aos pais. Hoje, restaurada, transforma o estreito hall de entrada em grandioso espaço de saudação aos visitantes.
Avesso a badalações, Christiano não se anima quando o convido a participar de um evento cultural. Prefere ficar em seu museu particular, escrevendo a história e repassando-a a quem aparecer na casa da antiga Rua da Escadinha, atual Travessa Baturité.
Parto com a promessa de retornar com mais calma, para beber o famoso cafezinho da Douvina e ouvir as interessantes histórias do casal, ao som da palração do ‘louro’ de estimação.
P.S. Para os mais jovens e menos informados, vai a preciosa dica: foi o Christiano Câmara quem idealizou a maior manifestação cultural momina da cidade, o Carnaval da Saudade, baile que acontece há 45 anos no Clube Náutico, em Fortaleza, no sábado ‘magro’.
Serviço
Museu particular do Christiano Câmara
Travessa Baturité, 162
Centro
Fortaleza (CE)
Aberto à visitação de segunda a sexta, sempre após as 14h
Imagens da autora