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O mundo não para*

A caminho do enterro da filha, Glória observa com desalento que “a vida continuava igual; tinha um que corria, o outro ia pro trabalho; nada compartilha do que aconteceu com você.”

Equivale dizer que o sol vai nascer e se pôr no dia seguinte e em todos os outros, mesmo para a mãe que teve sua filha de 22 anos barbaramente assassinada por um casal de psicopatas.

O desabafo no primeiro episódio, uma constatação óbvia e cruel, ecoou nos meus ouvidos até os instantes finais de “Pacto brutal”, minissérie documental dirigida por Tatiana Issa, baseada nos autos do processo judicial do assassinato da atriz Daniella Perez pelo ator Guilherme de Pádua e sua então esposa, Paula Thomaz, hoje Paula Peixoto.

O que me moveu a escrever este texto não foi a obra em si, mas a fala tocante e reflexiva da novelista Glória Perez, mãe da atriz morta há trinta anos, que de maneira obstinada investigou e reuniu provas até o sistema afastar do convívio social os dois criminosos que premeditaram e mataram sua filha.

As tragédias pessoais ou coletivas não são capazes de parar o mundo. Quando estávamos na clausura devido à pandemia, de luto pela perda de entes amados, havia um carro de som que estacionava nas ruas adjacentes ao meu prédio, contratado por familiares ou amigos de algum aniversariante na vizinhança. Eu chorava durante todo o barulho festivo, pensando na minha irmã e nas milhares de vidas perdidas para a Covid-19.

Por isso, galera querida, aconteça o que acontecer a qualquer um, o dia vai sempre amanhecer, as pessoas vão acordar, levantar, se exercitar, estudar, trabalhar e se divertir; e as menos afortunadas vão buscar emprego ou pedir esmolas para não morrerem de fome.

O mais incrível é que um dia a gente percebe que o sol voltou a brilhar e a gente a sorrir. Talvez graças ao mundo insensível que não parou para a nossa dor.

À Glória Perez e todas as mães que perderam seus filhos ou filhas de forma trágica, a minha solidariedade e compaixão.

Quanto à análise do documentário brasileiro, que está desde julho em uma plataforma de streaming, deixo aos colegas mais qualificados. Recomendo-o fortemente, mas prepare o coração.

*Texto publicado originalmente no blog “Mural da Ana Paula”, onde escrevo mensalmente nos terceiros sábados.


Pousos gentis

Após dois anos de confinamento, enchi-me de coragem e sobrevoei mares levando comigo luto e desencanto.

O primeiro pelas mais de 6 milhões de vidas humanas perdidas para a Covid no planeta [665 mil só no Brasil, incluídas minha irmã e minha mãe]; e o segundo pela virtualidade tóxica no único elo social permitido em tempos pandêmicos: as redes cheias de ódio, comentários perversos e informações falsas.

Perfis que se consideram justos e bondosos não percebem a barbárie que falam e praticam. Que triste! As plataformas de relacionamento escancararam a maldade adormecida que nos assombra de quando em quando. Basta ler um pouco sobre a história da humanidade para reconhecer que estamos atravessando um momento perigoso. Que não demore para desnudarmos a monstruosidade travestida de bem. Ressalto que não estou imune, trata-se aqui de uma reflexão na qual me insiro.

Embora eu tenha a sorte de ter a escrita como ofício [“a literatura salva”, já repetiram inúmeras vezes], tornou-se insuportável conviver com essa carga. A vida nos exige bravura, mas eu já havia consumido toda a cota. Eu precisava descongelar alguns sonhos.

Na aterrissagem em chão português, meu espanto por algo que no passado eu achava bobo: aplausos para o comandante da aeronave. E nem foi uma “aterragem” [em bom idioma de Portugal] perfeita; um forte impacto no solo, o receio de que os freios não funcionassem e solavancos que fizeram rolar minha garrafinha d’água mineral até a cozinha.

Há muito eu não presenciava ações coletivas de gentileza entre estranhos. Foi deveras simbólico. A singeleza daquele gesto marcou o meu reinício de esperançar na humanidade. Esperança de retomarmos o longo processo civilizatório construído a duras penas e que descambou recentemente sabe-se lá pra onde. Esperança de que há futuro para a nossa espécie. Recuso-me a abortar a esperança.

Foram dias de intenso e rico aprendizado com pessoas diferentes, línguas, ideias, origens, profissões, gerações e idades diversas. É possível, sim!

Retornei pra casa com a certeza de que o Brasil e o mundo necessitam urgentemente de empatia e pousos aclamados. A desconstrução do luto, essa ainda virá.

* Publicado originalmente no blog “Mural da Ana Paula”, onde escrevo mensalmente nos terceiros sábados.


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