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O quinto filho

Acabo de parir mais um filho, o quinto em uma década.

Batizei-o de Bodum.

Referir-se a livros como filhos é uma analogia frequente e um exercício abundante de afeto e entrega.

A gente planeja a gestação, enfrenta suas dores e delícias, até segurar o rebento junto ao peito, sem entender ainda direito como o concebeu. Confere se está tudo no lugar, orelhinhas, carinha, corpinho. Descobre algumas imperfeições que não impedem de amá-lo do mesmo jeito.

No começo, eles grudam debaixo das nossas asas, a pedirem colo; depois voam sozinhos, ganham o mundo, deixam de ser nossos, sinal de que cumprimos a missão direitinho.

A única diferença é que a gestação literária, ao contrário da biológica, não tem duração certa, pode levar de poucos meses a alguns anos. Após o nascimento, contudo, reagem de forma semelhante: dão trabalho, alegria e preocupação.

Há um ano e meio dou vida e voz a duas personagens nordestinas – Bia e Gia – nascidas no interior e descendentes dos povos originários brasileiros.

Bia e Gia se conhecem em uma das capitais da região e se tornam grandes amigas. Após algum tempo, Bia migra para o Sudeste em busca de novas oportunidades. As jovens perdem totalmente o contato. Anos mais tarde, Gia, que permanecera no Nordeste, tem um presságio sobre a morte trágica da amiga. Ela retorna, pela primeira vez, ao interior para tentar descobrir alguma pista do paradeiro da amiga, em uma viagem que representará o resgate das suas próprias raízes.

Para gestar Bodum, inspirei-me nos consagrados romances realistas regionais do século vinte e na contação de histórias da minha mãe e do meu pai sobre sua infância e juventude longe da urbanidade.

O “chá de apresentação” do meu bebê será neste novembro, na Bienal Internacional do Livro do Ceará, no Centro de Eventos de Fortaleza, em data a ser brevemente confirmada pela Editora Sete. Aguardo todos e todas.

Seja muito bem-vindo, filhote! Que você possa trazer alguma luz para a gente sofrida e invisibilizada do Nordeste.

Capa: Geraldo Jesuino

* Publicado originalmente no Blog Lugar Artevistas


Em busca do livro perdido

Quando o escritor francês Marcel Proust descreve em sua obra-prima o enxame de sentimentos que atacou o personagem no exato instante em que provou um inocente bolinho molhado no chá, a gente se transporta à própria infância à procura das nossas pequenas “madeleines”.

O gatilho da memória afetiva é acionado quando um aroma, um sabor, uma melodia ou um objeto nos insere involuntariamente em situações, épocas ou rincões esquecidos.

A essa altura, eu pergunto ao querido leitor ou leitora: Qual a sua “madeleine”?

Para a professora cearense Ana Cély Rocha Aguiar, a chave que destranca o seu passado é um livro de paradeiro desconhecido que pertencera ao seu pai, homem que cultivava o hábito da partilha de leitura com familiares e amigos, falecido quando Ana Cély, a caçula das filhas, tinha apenas 3 anos de idade.

O mundo de Ana Cély girou, girou e girou. Deixou a cidade natal, graduou-se em Letras, foi aprovada em concurso público para professora, exerceu o magistério, casou-se, foi mãe de duas meninas e um menino, e peregrinou por várias cidades brasileiras graças à carreira militar do marido, até que, em 1976, retorna ao Ceará e se matricula na pós-graduação do curso de Letras.

Ao manusear as primeiras páginas de um livro adquirido por sugestão do seu orientador, sensações indescritíveis a moveram, de súbito, para a saleta da estante da casa dos pais, onde seus sete irmãos liam fascinados ou escutavam as narrações da mãe amorosa sobre as vivências do marido falecido tão precocemente, uma forma de preservar a memória familiar. A pequenina Ana Cély sobe, então, numa cadeira e tenta pegar “o mais pesado entre os livros numerosos da estante”.

A partir dessa experiência sensorial, Ana Cély não se separou mais da magnífica obra intitulada “Dicionário Prático Ilustrado”, uma espécie de enciclopédia condensada que contém o essencial em vários campos do conhecimento, editada pela Livraria Lello, de Portugal.

Embora em diferente edição, o reencontro com o livro tão amado que não via desde a juventude permitiu à Ana Cély resgatar parte importante da própria história.


“Carpe diem”

Dia desses, ao rever “Sociedade dos poetas mortos”, renovei meu encantamento pela célebre passagem em que o professor John Keating diz a seus jovens alunos: “Carpe diem! Aproveitem o dia, garotos. Façam suas vidas serem extraordinárias”.

Desde a primeira vez que assisti o filme de Peter Weir – há três décadas –, caí de amores pelo professor fictício de literatura e o antigo conceito latino. Que jovem não gostaria de ter um mestre que o acolhesse em suas angústias e inseguranças, além de incentivá-lo a fazer as próprias escolhas? Lembro que saí do cinema abraçadinha ao Sr. Keating.

De lá pra cá, muitas mudanças. Em mim, no mundo e na prática inadequada da tal concepção. “Colha o dia”; “curta o dia”; “aproveite o momento” transformou-se em “viva impulsivamente”; “consuma tudo o que puder de uma só vez”. O resultado são adultos imaturos, que não sabem lidar com frustrações, numa busca incessante por prazeres que duram o tempo de um suspiro.

Então, qual a definição correta de “aproveitar o momento”? Para alguns poucos, permanece a ideia anterior à era cristã, do romano Horácio em seu poema de louvor à vida: aproveitar o que há de bom em cada instante, devido a incerteza do amanhã. Mas de que forma?

“Aproveitar o dia”, gente querida, é fazer coisas úteis para a humanidade. Nada com “se jogar” como se não houvesse amanhã. O nome disso é “imprudência” e “imaturidade”. É necessário, sim, dar o passo seguinte, simplesmente porque o futuro é logo ali e exige de nós sensatez e responsabilidade.

Mesmo à volta com a terrível pandemia da Covid-19, agravada pelo descaso do poder público central, torço pelo resgate de emoções singelas que dispensem dinheiro, como comover-se com o brilho da lua cheia, o horizonte colorido no pôr do sol, o canto dos pássaros, uma palavra de conforto, o sofrimento do outro, o sorriso de uma criança ou as brincadeiras de um bichinho de estimação, desde que respaldadas pelo essencial a uma existência digna.

Fazer da vida algo extraordinário é um ato coletivo de resistência. Em vez de esbanjarmos o agora com futilidades e atitudes egocêntricas, usemos a nossa potência para o crescimento e satisfação de todos e todas. Isso é “carpe diem”.

(*) Publicado originalmente no blog “Lugar Artevistas”, onde escrevo mensalmente, às primeiras sextas-feiras.


Antigo normal: nunca mais*

Rifa-se antigo normal de uma vez por todas.

Quarenta minutos de faxina na mesa de centro espelhada – com gavetões e nichos –, abarrotada de objetos e livros intocáveis de capa dura.

Costas arrebentadas de tanto arrastar dois trambolhos de madeira maciça, vulgos “mesinhas de cabeceira”, para tirar o pó acumulado.

Armário inflado de roupas, sapatos e bolsas que nunca serão repetidos ou até mesmo estreados.

IPVA caríssimo para rodar menos de mil quilômetros por ano, sem contar os gastos com combustível, estacionamento e manutenção.

Horas no trânsito caótico para ir à padaria ou mercadinho do bairro, em vez de usar as passadas ou pedaladas saudáveis.

Caminhadas na esteira em ambientes fechados, morando em uma cidade plana, que transborda sol, brisa, parques ecológicos e calçadões que beiram o verde mar.

Carimbos no passaporte para destinos turísticos da moda, com suas superlotações que sufocam a alma do lugar, cultura e estilo de vida dos moradores.

Festas para ver e, principalmente, ser visto.

Amizades às pencas que não se importam um tiquinho com o outro.

Cozinha meia-boca de restaurantes e bares caros, e filas gigantescas dos recém-inaugurados.

Lamentos por desgraça pouca, como a xícara de estimação quebrada acidentalmente.

Felicidade incessante, também conhecida como alienação, demência ou ingenuidade.

Diversão com filhos|netos no parquinho climatizado do shopping, quando se tem quilômetros de orla urbanizada, com quiosques, academias a céu aberto, parque infantil, quadras de vôlei e tênis de praia, anfiteatro, ciclovia, pista de cooper e de skate. Sim, é seguro.

O medo de andar nas ruas e se apoderar das calçadas e praças.

Carros estacionados nas ciclofaixas ou nas vagas prioritárias “só enquanto” pega o filho|neto na escola.

O pouco de tolerância que ainda resta para ouvir fofoca, maledicência e desinformação, como as criminosas fake news.

Por fim, como perfeição e santidade nunca fizeram parte dos meus planos, excluem-se da rifa laivos de arrogância que, porventura, alguém detectar nessas prendas.

*Publicado originalmente no blog LugarArtevistas, onde escrevo mensalmente às primeiras sextas-feiras.


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