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Desapego

Desde o início da pandemia planejo esvaziar parte das gavetas e prateleiras do apartamento em que habito há vinte anos.

Comprei sacolas plásticas de cem litros e programei o alarme do celular para as quartas, dia espremido entre antecipações e urgências. O aviso “Desapego” começava a soar às nove em ponto, adiava duas ou três vezes, até que um imprevisto abortava a missão.

Se me pedissem uma autodefinição, “apego” constaria certamente na coluna das qualidades ou dos defeitos. Prendo-me não apenas a objetos, mas a gentes e situações, embora eu lute contra isso. Aprendi que para avançar é preciso renunciar ao que não é mais benéfico ou que não faz mais sentido.

Meu projeto do desapego ganhou força a partir da tragédia das recentes enchentes no Brasil. Cortou-me o coração ver aquelas pessoas perderem tudo; a idosa que se recusou a ficar no abrigo e voltou para sua casa em área de risco.

As cenas dramáticas me remeteram a um trecho de “O prego e o rinoceronte”, livro de ensaios da professora de literatura, Regina Dalcastagnè, que me tocou imenso: “Daí a dificuldade dos mais velhos de se desfazerem de seus objetos, especialmente quando precisam abandonar a própria casa. Cada coisa eliminada é um testemunho apagado de sua presença no mundo”.

E pensei nas minhas gavetas e prateleiras à espera do desprendimento. Livrar-se voluntariamente de alguns pertences é muito diferente de vê-los tragados pelas águas ou destruídos pelo vento e fogo, ou abandonados no rastro seco do flagelo que mutila há séculos a memória do povo nordestino.

Lembrei-me também dos semblantes de meus pais ao deixarem a casa em que viveram por quarenta anos para ficarem mais próximo das filhas adultas. Ela, sempre tão falante, emudeceu durante todo o trajeto até o prédio onde ainda mora. Ele mostrava-se resignado.

Minha mãe conseguiu reconstruir seu universo com novos objetos, enquanto meu pai buscou diariamente a antiga morada até a despedida final. Eu diria que me vejo em ambos, um pouco ontem e um tanto amanhã. Sobre o agora, tenho gavetas vazias e sacolões cheios, por fim. Há momentos em que o passado exige descarte. E o futuro grita logo ali.

* Publicado originalmente em Lugar Artevistas, blog em que escrevo mensalmente, às primeiras sextas-feiras.


“Viver é melhor que sonhar” *

Sonho com as coisas mais bizarras, adquiro superpoderes, me crescem asas potentes no lugar de braços frágeis, perco a roupa, não encontro a porta do banheiro, e por aí vai.

Noite dessas, sonhei com um jabuti. Fiquei cismada, uma vez que o bichinho de carapaça não costuma rastejar em habitats de vidro e concreto. Um amigo brincou para apostar no jacaré ou na cobra, segundo ele os que melhor se afinam na bolsa contraventora.

Em vez da fezinha transgressora, fiz uma breve consulta virtual sobre o seu significado onírico e deparei-me com vários conceitos positivos: “longevidade”; “tenacidade”; “felicidade”.

Felicidade é tudo, né? Não, não é. Desde a fala de uma filósofa contemporânea acerca das armadilhas que minam sociedades negadoras do sofrimento e da energia própria da vida, venho tentando driblar a alegria gratuita, a autoajuda enganosa, enfim, a obrigação de ser feliz o tempo inteiro. Mesmo com toda a carga, é inspirador encarar nossas aflições com coragem e transformá-las em algo útil a outros.

Para suportar a dor pela perda da minha única irmã e demais vítimas da Covid-19, coloquei mente e corpo ao capricho das letras, feito náufrago que se agarra à tábua na fantasia do resgate. Foi nesse cenário de tormenta que nasceu “Confinados”, coletânea de contos lançada um ano atrás.

Em maio último, minha editora submeteu o livro ao crivo do maior prêmio da literatura brasileira. Cheguei a duvidar das chances de uma pequena casa editorial e de uma autora tardia e pouco conhecida. Mas não custava sonhar, apesar do alerta do poeta.

Semirreclusa, prossegui de olhos bem abertos, cuidando dos meus, irrigando a esperança neste combalido país e no restante do planeta redondo, e atenta aos sobreviventes para além da minha soleira lustrosa.

Até que um par de dias após sonhar com o jabuti, fui surpreendida com a notícia de “Confinados” no rol dos dez finalistas do cobiçado prêmio. O aplicativo do celular lotou de mensagens. Abri a do amigo brincalhão: “E aí, jogou? Que bicho deu?”. Digitei com a mais genuína das alegrias em dois longos anos: “Deu Jabuti!”. E exagerei nos emojis de risos e bichinhos cascudos.

* Publicado originalmente no blog Lugar ArteVistas, onde escrevo mensalmente às primeiras sextas-feiras.


O ano em que não montei a árvore de Natal

Em 2020, por motivos compreensíveis, não desencaixotei bolas, sinos e outros adornos natalinos, rito que cumpria há 23 dezembros.

Uma tragédia sanitária sem igual corroeu as entranhas do mundo, revelando toda sorte de maldade que nos espreita.

Perdemos entes queridos, adoecemos, deixamos de fazer inúmeras coisas, e cá estamos, chegando ao fim do segundo ano de pandemia, colando os caquinhos e tentando restaurar a normalidade.

Uma breve saída à noite neste comecinho de novembro foi o bastante para perceber que o Natal já se instalou nas cercanias. Muitos prédios piscam nervosos em vários tons. Eu falei “comecinho de novembro”?

Até entendo que após quase dois anos de afetos remotos estejamos ansiosos por abraços reais, mas o respeito aos rituais é importante para a sobrevivência das culturas. Afinal, ninguém festeja aniversário meses antes da data. Parece que tudo virou comércio, consumo e lucro. Cansada disso, sabe?

Na minha infância, as luzinhas só brilhavam em dezembro. A estrela no topo da árvore era ligada apenas na véspera de Natal. À boca da noite do 24, chegávamos à casa da tia Clotilde, a irmã mais velha [e solteira] da minha mãe, uma espécie de matriarca da família e avó para mim e minha irmã.

Meus pais, ambos órfãos [meu avô paterno – único vivo – morava no interior do Ceará e raramente vinha à capital] e com somente duas filhas, atendiam com imenso gosto ao chamado da tia Clotilde, estendido a alguns aparentados e vizinhos da avenida do Imperador, região central de Fortaleza.

Com a partida da minha saudosa tia, meus pais juntaram-se às noites felizes dos meus sogros que, por serem de outro Estado, sem parentes em Fortaleza, abriam as portas aos novos amigos cearenses, todos muito bem-vindos.

Meu marido e eu adotamos o grande núcleo familiar após o falecimento do meu sogro. Com o correr dos anos, as gerações mais novas passaram a realizar suas próprias confraternizações, numa evolução natural da vida.

Neste ano espero resgatar a tradição da árvore de Natal, celebrar em grupo o amor maior, a solidariedade, a compaixão e o infinito apoio que recebi dos amigos e familiares nos dias mais difíceis.

* Publicado originalmente no Blog Lugar ArteVistas, onde escrevo mensalmente às primeiras sextas-feiras.


A tal maturidade

Chamar alguém de imaturo é como uma ofensa inaceitável, mesmo quando o acusado tem vinte anos ou menos; que nem um herege que se recusa a “vestir a carapuça”, para evocar a expressão eclesiástica medieval que se perpetua aos dias atuais.

Estava relembrando as inúmeras vezes em que me fiei ter atingido a sensatez e o equilíbrio que caracterizam a tal maturidade.

No primeiro beijo, me considerei a própria experiência. A primeira decepção amorosa trouxe a convicção de que eu me tornara precocemente madura. O ingresso na universidade veio escoltado da certeza de vivência máxima. A graduação, a primeira grana com o meu trabalho, a gravidez dos meus filhos, as amizades desfeitas por incompatibilidade ou desamor, o falecimento do meu pai… Um rol infinito de felicidades e tristezas da fase mais jovem.

Sempre que escalava um novo degrau da maturidade, eu acreditava que seria o último, que finalmente havia alcançado o real patamar da plenitude.

Dizem que a maturidade se instala [sem quaisquer garantias, descobri aos poucos] à medida que você desconstrói e humaniza seus heróis e heroínas – pais, amigos, companheiros, mestres –, e continua a respeitá-los e admirá-los da mesma forma.

A verdade é que a maturidade está a toda hora se evadindo. Além de chegar sem avisar, parte furtiva, sem aceno ou abraço.

De repente, no esplendor da terceira idade, a gente se pega, por exemplo, julgando uma pessoa querida que não atendeu às nossas exigentes expectativas. Pronto, a danada da maturidade escapuliu de novo, levando consigo tudo aquilo que incorporamos com ela, pois nunca anda sozinha, se faz acompanhar da tolerância, resiliência, compaixão e solidariedade.

Da próxima vez que alguém lhe surpreender com uma falha ou uma decepção, reflita antes de voltar à estaca zero do crescimento humano.

Proponho, portanto, vigília permanente às constantes fugas da tal maturidade. A gente se encontra na travessia. Boa sorte pra nós.

* Publicado originalmente no Blog Lugar ArteVistas, onde escrevo mensalmente às primeiras sextas-feiras.


Prazer!

Vejo gente nova por aqui. Pensei, então, em contar um pouco sobre mim, de como me tornei escritora, e aproveito para renovar laços com as queridas e queridos de sempre.

De jovem pedagoga à jornalista tardia voaram três décadas.

Nesse meio-tempo, casei (e permaneço), fui mãe de humanos e bichinhos, servidora pública, morei em Paris uma curtíssima – mas intensa – temporada que daria tranquilamente uma série “Celma em Paris”, habitei Nova Iorque, fui executiva de marketing em empresa privada e repórter.

Até que migrei de laptop e mouse para o mundo literário.

Foi a vivência em Nova Iorque, com dois filhos menores, que rendeu memórias para o primeiro livro (“Descascando a grande maçã”), narrativa leve e bem-humorada dos perrengues na famosa ilha que nunca dorme.

E chegou o primeiro neto.

Aos sessenta, veio o segundo livro (“Viver, simplesmente”), seleção de crônicas, artigos e reportagens publicados originalmente em plataformas diversas, presente da minha editora pelo meu ingresso na década “sexy” (fazer o quê? Sou adepta de celebrações em todas as fases).

O segundo neto, digo, a primeira neta chegou enquanto eu gestava o primeiro romance (“O segredo da boneca russa”), lançado em fins de 2018.

Dois anos depois, a estreia no gênero conto com a coletânea “Confinados”, em meio ao luto coletivo da pandemia e à perda da minha única irmã para a Covid-19.

Preparo agora uma nova cria, romance ou novela, ainda não sei. Certezas, pra quê?

Como em toda trajetória, altos e baixos, perdas e ganhos, uma fratura grave no tornozelo que esfacelou ossos e mandou minha mobilidade pro espaço por meses, trazendo lágrimas e ensinamentos.

Aos 65, acredito que tenho lastro para falar da vida. A parte mais difícil é conviver respeitosamente com os contrários, ao invés de eliminá-los, como querem alguns. O que precisa ser combatido sem trégua é o mal que habita o íntimo de cada um, só esperando a hora de nos tragar, sem nos dar a chance sequer de reconhecê-lo. “– Fascismo, onde?”

É isso, gente querida. Bem-vinda ao meu universo mutante e a este lugar onde compartilho, há dez anos, o cotidiano que me encanta e inquieta.

Bom domingo!


Todos os dias são passado *

A uma semana de entregar uma nova crônica para o “ArteVistas”, busco inspiração em fotos antigas de família.

Bem que eu gostaria de escrever algo leve e atual, mas em tempos de afastamento social e pouca empatia – mesmo atenuados pela brisa acolhedora de agosto no meu sertão praieiro –, o passado se mostra o melhor parceiro.

Lembro-me de uma entrevista em que o escritor amazonense, Milton Hatoum, afirma que “a literatura trabalha e reaviva o passado”. Portanto, não o lastimo, pelo contrário, louvo o passado; ele nos permite brincar com as palavras na tentativa de decifrar a alma humana.

Pego, então, os álbuns de fotografias e vou carimbando minhas digitais nas velhas páginas da infância, adolescência e juventude.

Estou nos braços da minha mãe, à frente do meu saudoso pai, boquinha prestes a soprar a primeira velinha. Uso um lindo vestido de organza azul feito pela parente modista, em perfeita composição com o laço da cabeça. Meninas vestiam azul às vésperas de 1960.

Aposto todas as velinhas sucessoras, que minha mãe não fez ali um apelo genérico, do tipo: “Que minha filha seja feliz!”. Arisca e cuidadosa como ela só, não submeteria o futuro da caçula a interpretações de divindades já tão sobrecarregadas de pedidos. Certamente encomendou os mínimos detalhes em silêncio, conforme a tradição: “Saúde, profissão digna, autossuficência, casamento por amor e filhos saudáveis”. Nessa ordem. Desejo de mãe é sagrado.

Salto treze anos e caio nas areias escaldantes do Pecém, jangadas ao fundo. Eu, irmã e primas. Férias de verão. Falar em verão no Nordeste é igual a “subir pra cima” ou “entrar pra dentro”. Não está de todo errado, mas é “over”, segundo os colonizados chiques. Excesso de coisa nenhuma.

Quatro temporadas depois e eis-me fantasiada de havaiana com uma querida amiga. Aquele carnaval ouviu meu grito de maioridade. Foi-se o arroubo juvenil, permanece a longeva amizade.

Devolvo o passado à estante e retomo a criação sem pressa do livro de gênero ainda indefinido, uma novela, talvez? Alterno com a leitura de um clássico literário. Estamos sempre trazendo o ontem. E lembrei-me novamente do grande Hatoum.

*Publicado originalmente no blog Lugar ArteVistas, onde escrevo mensalmente às primeiras sextas-feiras.


“Carpe diem”

Dia desses, ao rever “Sociedade dos poetas mortos”, renovei meu encantamento pela célebre passagem em que o professor John Keating diz a seus jovens alunos: “Carpe diem! Aproveitem o dia, garotos. Façam suas vidas serem extraordinárias”.

Desde a primeira vez que assisti o filme de Peter Weir – há três décadas –, caí de amores pelo professor fictício de literatura e o antigo conceito latino. Que jovem não gostaria de ter um mestre que o acolhesse em suas angústias e inseguranças, além de incentivá-lo a fazer as próprias escolhas? Lembro que saí do cinema abraçadinha ao Sr. Keating.

De lá pra cá, muitas mudanças. Em mim, no mundo e na prática inadequada da tal concepção. “Colha o dia”; “curta o dia”; “aproveite o momento” transformou-se em “viva impulsivamente”; “consuma tudo o que puder de uma só vez”. O resultado são adultos imaturos, que não sabem lidar com frustrações, numa busca incessante por prazeres que duram o tempo de um suspiro.

Então, qual a definição correta de “aproveitar o momento”? Para alguns poucos, permanece a ideia anterior à era cristã, do romano Horácio em seu poema de louvor à vida: aproveitar o que há de bom em cada instante, devido a incerteza do amanhã. Mas de que forma?

“Aproveitar o dia”, gente querida, é fazer coisas úteis para a humanidade. Nada com “se jogar” como se não houvesse amanhã. O nome disso é “imprudência” e “imaturidade”. É necessário, sim, dar o passo seguinte, simplesmente porque o futuro é logo ali e exige de nós sensatez e responsabilidade.

Mesmo à volta com a terrível pandemia da Covid-19, agravada pelo descaso do poder público central, torço pelo resgate de emoções singelas que dispensem dinheiro, como comover-se com o brilho da lua cheia, o horizonte colorido no pôr do sol, o canto dos pássaros, uma palavra de conforto, o sofrimento do outro, o sorriso de uma criança ou as brincadeiras de um bichinho de estimação, desde que respaldadas pelo essencial a uma existência digna.

Fazer da vida algo extraordinário é um ato coletivo de resistência. Em vez de esbanjarmos o agora com futilidades e atitudes egocêntricas, usemos a nossa potência para o crescimento e satisfação de todos e todas. Isso é “carpe diem”.

(*) Publicado originalmente no blog “Lugar Artevistas”, onde escrevo mensalmente, às primeiras sextas-feiras.


Antigo normal: nunca mais*

Rifa-se antigo normal de uma vez por todas.

Quarenta minutos de faxina na mesa de centro espelhada – com gavetões e nichos –, abarrotada de objetos e livros intocáveis de capa dura.

Costas arrebentadas de tanto arrastar dois trambolhos de madeira maciça, vulgos “mesinhas de cabeceira”, para tirar o pó acumulado.

Armário inflado de roupas, sapatos e bolsas que nunca serão repetidos ou até mesmo estreados.

IPVA caríssimo para rodar menos de mil quilômetros por ano, sem contar os gastos com combustível, estacionamento e manutenção.

Horas no trânsito caótico para ir à padaria ou mercadinho do bairro, em vez de usar as passadas ou pedaladas saudáveis.

Caminhadas na esteira em ambientes fechados, morando em uma cidade plana, que transborda sol, brisa, parques ecológicos e calçadões que beiram o verde mar.

Carimbos no passaporte para destinos turísticos da moda, com suas superlotações que sufocam a alma do lugar, cultura e estilo de vida dos moradores.

Festas para ver e, principalmente, ser visto.

Amizades às pencas que não se importam um tiquinho com o outro.

Cozinha meia-boca de restaurantes e bares caros, e filas gigantescas dos recém-inaugurados.

Lamentos por desgraça pouca, como a xícara de estimação quebrada acidentalmente.

Felicidade incessante, também conhecida como alienação, demência ou ingenuidade.

Diversão com filhos|netos no parquinho climatizado do shopping, quando se tem quilômetros de orla urbanizada, com quiosques, academias a céu aberto, parque infantil, quadras de vôlei e tênis de praia, anfiteatro, ciclovia, pista de cooper e de skate. Sim, é seguro.

O medo de andar nas ruas e se apoderar das calçadas e praças.

Carros estacionados nas ciclofaixas ou nas vagas prioritárias “só enquanto” pega o filho|neto na escola.

O pouco de tolerância que ainda resta para ouvir fofoca, maledicência e desinformação, como as criminosas fake news.

Por fim, como perfeição e santidade nunca fizeram parte dos meus planos, excluem-se da rifa laivos de arrogância que, porventura, alguém detectar nessas prendas.

*Publicado originalmente no blog LugarArtevistas, onde escrevo mensalmente às primeiras sextas-feiras.


Abraços silenciosos

Dor física ou dor na alma, qual delas machuca mais?

Quando fraturei gravemente o tornozelo durante um treino aeróbico, cheguei a desmaiar de tanta dor. Nos quinze dias que se seguiram à cirurgia de urgência, só consegui tirar breves cochilos. Foram sete meses muito difíceis até a completa reabilitação.

Relembro esse fato por dois motivos: nesse próximo domingo completam dois anos do ocorrido; e por mais doloroso que tenha sido, não se compara à dor profunda pela perda, no ano seguinte, da minha única e querida irmã para a COVID-19.

A dor na alma, essa parece que nunca passa. Ainda mais quando potencializada pelo luto coletivo que ora vivemos, pela inépcia e escárnio do poder público central frente à pandemia, o inadmissível adiamento na compra de vacinas e o consequente atraso na imunização da população.

Embora incomparáveis, ambas são dores que, no primeiro instante, parecem insuperáveis, mas vou me esquivar aqui de falar somente em superação. Porque antes de superar qualquer dor, é necessário ser acolhido nessa dor.

Quando se está sob intenso sofrimento – físico ou espiritual –, tudo o que não se quer ouvir é que “vai passar”, expressão até simpática mas que pode denotar indiferença à dor alheia. É como se lhe dissessem: “Pare de se lastimar, você não é o único ser que sofre”. Desfiar experiências similares superadas – na maioria das vezes, muito mais graves – também não vai ajudar a quem sofre. No fundo, todos sabemos que tudo passa, que nada é para sempre, nem as coisas ruins nem as boas. Mas apressar o processo para quê? Não existe vida sem sofrimento e cada pessoa tem seu próprio tempo e modo de reagir a ele.

Dizem que o sofrimento contribui para o crescimento humano [e deve ser mesmo], como inúmeros outros sentimentos também contribuem, mas eu prefiro enxergá-lo apenas como natural à existência. É preciso, portanto, parar de negá-lo. Só assim seremos capazes de enfrentá-lo e superá-lo no momento certo.

Enfim, se você não é especialista em comportamento – como também não o sou –, ao se deparar com as dores de alguém, apenas o acolha em silêncio, com um abraço, sem comentários ou julgamentos.

*Texto publicado originalmente no blog Lugar ArteVistas, onde escrevo mensalmente às primeiras sextas-feiras.


Sonhar é resistência

Arte da autoria das crianças Theo e Lis


Neste 2021 quero sonhar todos os sonhos impossíveis, como os autênticos sonhos devem ser.

Planar entre os pássaros como se um deles fosse. 

Correr mais veloz que o jamaicano Bolt.

Trocar de roupa em três, dois, um…

Atravessar a nado, em seis horas, o Canal da Mancha.

Bailar como Odette no Lago de Tchaikovski.

Perguntar ao meu pai o motivo da sua risada, enquanto ele se enxágua lá no chuveiro. 

Ouvir da minha irmã os perrengues hilários nas suas viagens com colegas e amigos. 

Levar a Buba e a Babu para caminhar no calçadão da Beira-mar de Fortaleza.

Dar corda na bicicletinha que ganhei da minha madrinha no aniversário de cinco anos.

Desembaraçar o cabelo sintético da minha boneca “Xodó”. 

Dividir com Lygia o prêmio sueco de literatura. 

Ser derrubada por um filhote brincalhão de Rott e não sofrer um arranhão. 

Chegar ao topo da cordilheira himalaia.

Conversar com a criança que fui um dia. 

Acordar e perceber, entre aliviada e aflita, que tudo não passou de um sonho.

Feliz 2021, metade real, metade fantasia!

****

* Publicado originalmente em 01/01/2021 no Blog Lugar ArteVistas, onde escrevo mensalmente às primeiras sextas-feiras.


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