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Incivilizados

“Meu nome é Martim (…); meu sangue, o do grande povo que primeiro viu as terras de tua pátria.” (José de Alencar, em “Iracema”)

O meu primeiro contato com a nossa gente originária foi através da literatura. Era tempo de colégio, adolescência e leitura obrigatória dos clássicos locais.

Os livros didáticos de História continham informações reduzidas e estereotipadas sobre os povos indígenas, indiferentes às vivências de cada um. Em “Iracema”, do brilhante romancista cearense José de Alencar, eles tinham nome, voz, rosto e sentimentos.

A linguagem lírica da obra, contudo, não me encantou à época. Faltou-me maturidade, além de conhecimento prévio a respeito das diversas etnias, suas leis, verdades e costumes. Talvez um debate na escola quanto à importância e respeito à ancestralidade tivesse ajudado. Até então, os índios eram considerados seres exóticos e incivilizados.

Relembro esses fatos no momento em que uma crise humanitária sem precedentes se abate sobre o povo Yanomami e observo, com vergonha, tristeza e revolta, que preconceitos de séculos ainda perduram.

Nas redes sociais, leio estarrecida comentários desinformados, cruéis, debochados e insensíveis: “Índios fugindo da Venezuela para escapar aqui”; “Infância desamparada à base de mandioca, feijão, verduras e peixe”; “Pais indígenas não sabem mais caçar, pescar, plantar?”; “Os índios não querem mais plantar?”.

Se não podemos – ou não queremos – socorrê-los, tenhamos ao menos compaixão das crianças Yanomami esquálidas, com a idade de nossos filhos e netos bem-nutridos. E pressionemos para que a Justiça puna os principais responsáveis (porque somos todos) pelo que está sendo classificado de genocídio.

Iracema, a índia Tabajara que teve o infortúnio de se apaixonar pelo invasor branco europeu, ao atingir Martim com uma flecha quebrou a haste e entregou-lhe em sinal de paz.

Na citação que abre este texto, o próprio Martim admite ao pajé Araquém, pai de Iracema, que a pátria invadida pertence aos indígenas.

Já passou da hora de quebrarmos a flecha à maneira indígena e estabelecermos a paz. Os inimigos não são eles; os incivilizados somos nós.

Publicado originalmente em
https://lugarartevistas.wordpress.com/2023/02/03/incivilizados/


O quinto filho

Acabo de parir mais um filho, o quinto em uma década.

Batizei-o de Bodum.

Referir-se a livros como filhos é uma analogia frequente e um exercício abundante de afeto e entrega.

A gente planeja a gestação, enfrenta suas dores e delícias, até segurar o rebento junto ao peito, sem entender ainda direito como o concebeu. Confere se está tudo no lugar, orelhinhas, carinha, corpinho. Descobre algumas imperfeições que não impedem de amá-lo do mesmo jeito.

No começo, eles grudam debaixo das nossas asas, a pedirem colo; depois voam sozinhos, ganham o mundo, deixam de ser nossos, sinal de que cumprimos a missão direitinho.

A única diferença é que a gestação literária, ao contrário da biológica, não tem duração certa, pode levar de poucos meses a alguns anos. Após o nascimento, contudo, reagem de forma semelhante: dão trabalho, alegria e preocupação.

Há um ano e meio dou vida e voz a duas personagens nordestinas – Bia e Gia – nascidas no interior e descendentes dos povos originários brasileiros.

Bia e Gia se conhecem em uma das capitais da região e se tornam grandes amigas. Após algum tempo, Bia migra para o Sudeste em busca de novas oportunidades. As jovens perdem totalmente o contato. Anos mais tarde, Gia, que permanecera no Nordeste, tem um presságio sobre a morte trágica da amiga. Ela retorna, pela primeira vez, ao interior para tentar descobrir alguma pista do paradeiro da amiga, em uma viagem que representará o resgate das suas próprias raízes.

Para gestar Bodum, inspirei-me nos consagrados romances realistas regionais do século vinte e na contação de histórias da minha mãe e do meu pai sobre sua infância e juventude longe da urbanidade.

O “chá de apresentação” do meu bebê será neste novembro, na Bienal Internacional do Livro do Ceará, no Centro de Eventos de Fortaleza, em data a ser brevemente confirmada pela Editora Sete. Aguardo todos e todas.

Seja muito bem-vindo, filhote! Que você possa trazer alguma luz para a gente sofrida e invisibilizada do Nordeste.

Capa: Geraldo Jesuino

* Publicado originalmente no Blog Lugar Artevistas


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