Desculpem, sei que o tema não é dos mais felizes para um domingo, mas a vida é feita de alegrias e tristezas… Há vários dias – semanas, talvez – que havia escrito essas linhas e me faltou ânimo para postá-las. Talvez porque quando escrevemos assumimos responsabilidades éticas, e sei bem o peso do que isso significa… Enfim, divido agora com vocês os meus inquietantes pensamentos…
Ultimamente, tenho me tomado de reflexões sobre o melhor modo de levar a vida. Se o das pessoas que não se apegam a nada ou ninguém, ou se o daquelas que se achegam a tudo e todos, seja um filho, um neto, um animal de estimação, uma prática religiosa ou esportiva, uma profissão, um hobby, um amigo, aos pais, enfim, a qualquer coisa ou ser que esteja ao seu alcance.
Viver desapegadamente para não sofrer com afastamentos ou viver intensamente e sofrer – mais intensamente ainda – com os afastamentos inevitáveis? Fiz essa pergunta dia desses para alguém bem próximo e a singeleza da resposta me surpreendeu: “Viver, simplesmente”.
Quem primeiro definiu o ciclo vital dos seres vivos (nascem, desenvolvem-se, reproduzem-se, envelhecem e morrem) esqueceu de inserir uma palavrinha sugestiva de ‘possibilidade’ entre a exatidão dos verbos. Quem garante que o ser vivo – seja gente, bicho ou planta – vai morrer só depois de velho? A lógica é que tudo que nasce, morre, seja novo ou velho. É tão óbvio!
Então, por que esse enorme sofrimento gerado pela condição natural de finitude? Dizem que só as mentes doentias convivem com tranquilidade ante a certeza da morte. Da sua própria e da dos outros. E a questão se agrava mais ainda quando se trata de mortes prematuras. Ou seja, o que não se aceita é morrer jovem. Velho pode.
Os episódios que desencadearam essas perturbadoras considerações foram duas recentes cerimônias fúnebres: de um homem quase centenário e de outro mal saído da adolescência. A comoção era inversamente proporcional ao tempo de vida dos dois. Na missa do velho, os filhos, netos e bisnetos – e alguns amigos – rezavam serenamente. Na do jovem, a igreja estava repleta de pessoas desesperadas e inconformadas.
Como foi possível à humanidade evoluir a ponto de aceitar, com naturalidade, o falecimento de pessoas idosas, mas quando se trata da morte de crianças e jovens, ainda não conseguimos sair do jardim de infância? “É porque foge à ordem natural da vida!”, alguém pode dizer. Mas a ordem natural é somente uma: nascer e morrer. A distância entre esses dois pontos não está garantida em nenhum manual de sobrevivência. Então, por que não há uma preparação para aceitar? Seria o caso de criar disciplinas nas escolas sobre o tema para acabar com esse medo irracional até da palavra ‘morte’ e do que ela significa?
A Tanatologia, ciência relativamente nova que estuda a nossa relação com as perdas – incluída aí a mais traumática delas: a morte –, afirma que o sentimento ou ‘luto’ causado pelo desaparecimento de um ente querido – potencializado, quando em caso de mortes prematuras – lidera a lista dos maiores sofrimentos de grande parte da humanidade. Mesmo para os que afirmam crer na eternidade da alma, a dor da perda – de um filho, por exemplo – é insuportável e, muitas vezes, insuperável.
O fato é que a morte ainda é um grande tabu para a cultura ocidental contemporânea. Não conseguimos lidar bem com ela. É tudo, menos ‘natural’. Há pessoas que não gostam nem de pronunciar o vocábulo de cinco letrinhas, que vão substituindo por expressões populares, algumas até engraçadas: “entregar a alma a Deus”, “derradeira viagem”, “a indesejada da gente”, “virar estrelinha”, “ir pro céu”… E haja um caminhão funerário de ‘eufemismos’ meio tortos.
Quanto mais evoluída a ciência, quanto mais descobertas, menos se aceita que a vida tem um ciclo que vai ser cumprido de qualquer jeito. Essa é a condição humana que equipara todos nós.
Ao sair da missa de 7º dia do velho senhor, ouvi um comentário que tive que concordar: “Morrer velho, nem os filhos choram…”. E eu já me transportava quarenta anos à frente, vendo meus filhos não derramarem uma lágrima sequer no meu velório. Mas por que isso me incomodou? Não chorar, não se desesperar com a morte, não seria o ideal? Caramba! Seria maravilhoso se conseguíssemos alcançar essa serenidade.
Foi quando lembrei de um trecho do romance “O Vendedor de Sonhos”, do psiquiatra e escritor Augusto Cury, quando o personagem principal dá um ‘choque de lucidez’ nas pessoas que choravam inconformadas em um velório, ao afirmar que o desespero não honra quem partiu. Em vez disso, deve-se relembrar suas ações e o que significaram na vida de cada um. Esta, sim, uma verdadeira homenagem.
Sei, alguns podem dizer que isso é papo de autoajuda, até concordo, mas que faz sentido, faz. O luto nunca vai deixar de existir, é claro! Então, não seria razoável que as pessoas seguissem vivendo suas novas realidades sem tanto sofrimento? A vida nos reserva muitas delas.
Não me sinto imune, e também não escondo o medo, mas gostaria muito de aprender a encarar a morte de uma forma mais natural. Aceitar que tudo se acaba, que nada é para sempre. E viver, simplesmente.