A uma semana de entregar uma nova crônica para o “ArteVistas”, busco inspiração em fotos antigas de família.
Bem que eu gostaria de escrever algo leve e atual, mas em tempos de afastamento social e pouca empatia – mesmo atenuados pela brisa acolhedora de agosto no meu sertão praieiro –, o passado se mostra o melhor parceiro.
Lembro-me de uma entrevista em que o escritor amazonense, Milton Hatoum, afirma que “a literatura trabalha e reaviva o passado”. Portanto, não o lastimo, pelo contrário, louvo o passado; ele nos permite brincar com as palavras na tentativa de decifrar a alma humana.
Pego, então, os álbuns de fotografias e vou carimbando minhas digitais nas velhas páginas da infância, adolescência e juventude.
Estou nos braços da minha mãe, à frente do meu saudoso pai, boquinha prestes a soprar a primeira velinha. Uso um lindo vestido de organza azul feito pela parente modista, em perfeita composição com o laço da cabeça. Meninas vestiam azul às vésperas de 1960.
Aposto todas as velinhas sucessoras, que minha mãe não fez ali um apelo genérico, do tipo: “Que minha filha seja feliz!”. Arisca e cuidadosa como ela só, não submeteria o futuro da caçula a interpretações de divindades já tão sobrecarregadas de pedidos. Certamente encomendou os mínimos detalhes em silêncio, conforme a tradição: “Saúde, profissão digna, autossuficência, casamento por amor e filhos saudáveis”. Nessa ordem. Desejo de mãe é sagrado.
Salto treze anos e caio nas areias escaldantes do Pecém, jangadas ao fundo. Eu, irmã e primas. Férias de verão. Falar em verão no Nordeste é igual a “subir pra cima” ou “entrar pra dentro”. Não está de todo errado, mas é “over”, segundo os colonizados chiques. Excesso de coisa nenhuma.
Quatro temporadas depois e eis-me fantasiada de havaiana com uma querida amiga. Aquele carnaval ouviu meu grito de maioridade. Foi-se o arroubo juvenil, permanece a longeva amizade.
Devolvo o passado à estante e retomo a criação sem pressa do livro de gênero ainda indefinido, uma novela, talvez? Alterno com a leitura de um clássico literário. Estamos sempre trazendo o ontem. E lembrei-me novamente do grande Hatoum.
*Publicado originalmente no blog Lugar ArteVistas, onde escrevo mensalmente às primeiras sextas-feiras.
3 setembro, 2021 at 5:11 pm
Amiga querida ! Que delícia ler seus escritos !
Bj
3 setembro, 2021 at 6:31 pm
Muito feliz com essa leitora sensível e amiga. 🥰