Abraços silenciosos

Dor física ou dor na alma, qual delas machuca mais?

Quando fraturei gravemente o tornozelo durante um treino aeróbico, cheguei a desmaiar de tanta dor. Nos quinze dias que se seguiram à cirurgia de urgência, só consegui tirar breves cochilos. Foram sete meses muito difíceis até a completa reabilitação.

Relembro esse fato por dois motivos: nesse próximo domingo completam dois anos do ocorrido; e por mais doloroso que tenha sido, não se compara à dor profunda pela perda, no ano seguinte, da minha única e querida irmã para a COVID-19.

A dor na alma, essa parece que nunca passa. Ainda mais quando potencializada pelo luto coletivo que ora vivemos, pela inépcia e escárnio do poder público central frente à pandemia, o inadmissível adiamento na compra de vacinas e o consequente atraso na imunização da população.

Embora incomparáveis, ambas são dores que, no primeiro instante, parecem insuperáveis, mas vou me esquivar aqui de falar somente em superação. Porque antes de superar qualquer dor, é necessário ser acolhido nessa dor.

Quando se está sob intenso sofrimento – físico ou espiritual –, tudo o que não se quer ouvir é que “vai passar”, expressão até simpática mas que pode denotar indiferença à dor alheia. É como se lhe dissessem: “Pare de se lastimar, você não é o único ser que sofre”. Desfiar experiências similares superadas – na maioria das vezes, muito mais graves – também não vai ajudar a quem sofre. No fundo, todos sabemos que tudo passa, que nada é para sempre, nem as coisas ruins nem as boas. Mas apressar o processo para quê? Não existe vida sem sofrimento e cada pessoa tem seu próprio tempo e modo de reagir a ele.

Dizem que o sofrimento contribui para o crescimento humano [e deve ser mesmo], como inúmeros outros sentimentos também contribuem, mas eu prefiro enxergá-lo apenas como natural à existência. É preciso, portanto, parar de negá-lo. Só assim seremos capazes de enfrentá-lo e superá-lo no momento certo.

Enfim, se você não é especialista em comportamento – como também não o sou –, ao se deparar com as dores de alguém, apenas o acolha em silêncio, com um abraço, sem comentários ou julgamentos.

*Texto publicado originalmente no blog Lugar ArteVistas, onde escrevo mensalmente às primeiras sextas-feiras.

Sobre Celma Prata

Celma Prata é jornalista e escritora fortalezense. Autora do romance “Bodum” [2022], “Confinados” [2020], finalista do Prêmio Jabuti 2021 na categoria Conto; do romance "O segredo da boneca russa" [2018]; e dos livros de não-ficção "Viver, simplesmente" [2016]; e "Descascando a Grande Maçã" [2012], todos pela Editora Sete. É membro da Academia Cearense de Letras, da Academia Fortalezense de Letras, da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil e da Sociedade Amigas do Livro, entidade cultural em que presidiu o conselho diretor, de 2016 a 2020. Ver todos os artigos de Celma Prata

9 respostas para “Abraços silenciosos

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