A médica Thereza Prata, 65 anos, tinha dois filhos, um netinho de 7, uma porção generosa de amigos e muitos pacientes que dependiam dela para a cura ou alívio.
A minha única irmã, tia querida dos meus filhos e primeira filha de mãe hoje centenária, partiu há um ano, em plena atividade pessoal e profissional. Deixou-nos a todos órfãos.
Thê – como eu a chamava – internou-se em São Paulo no dia 2 de março de 2020 para receber uma medula sã, procedimento eleito por seus pares para curar a mielodisplasia detectada em exame de rotina no ano anterior. Embora assintomática, a síndrome poderia evoluir para uma leucemia. Até a véspera de viajar, ela cuidou dos pacientes, exercitou-se e divertiu-se, sem fazer uso de qualquer medicação.
Após duas semanas de intensa troca de afeto no confinamento do hospital para o transplante, retornei a Fortaleza. Deixei-a feliz, à espera da tão planejada alta hospitalar, acompanhada da adorada filha, médica como a mãe. Não imaginávamos que o nosso “até breve!” sem abraços – em respeito ao protocolo pós-transplante – era um adeus.
O curto trajeto do hospital ao aeroporto de Congonhas demorou muito devido à manifestação que ocupava a avenida Paulista e entorno. Eventos similares ocorreram naquele domingo [15/março/2020] em outras capitais, mesmo com o alerta de pandemia da Covid-19 feito pela OMS quatro dias antes. Multidões sem máscara e sem respeito à vida, incentivadas por autoridades que deveriam conter o vírus e proteger a população, assumiram ali, de forma consciente, a cruel tarefa de disseminar a peste.
Dias depois, quando comemorávamos a cura da minha irmã, ela e outros transplantados [crianças entre eles] foram infectados pelo novo coronavírus ainda no hospital. Thê lutou dois longos e angustiantes meses, mas infelizmente a perdemos em 17 de maio de 2020. Suas cinzas foram repatriadas no colo do seu filho querido.
Ao caminharmos para meio milhão de mortos por Covid-19 [só no Brasil], novas cepas e sem vacinas, causa-me repulsa a desumanidade dos que continuam a minimizar a pandemia e desdenhar das medidas de proteção. Quantas vidas poderiam ter sido poupadas? Quantas ainda perderemos? Quem reparará os danos? Jamais esqueceremos.
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