A pandemia da Covid-19 deixou de ser novidade para milhões de pessoas, não desperta mais a atenção, “perdeu a graça”, como dizemos no Ceará.
Admito certa dificuldade de adequação à fluidez da era em que vivemos – tomando emprestado o conceito de importante teórico morto há poucos anos –, onde tudo escorre velozmente por entre os dedos. Suponho que seja porque minha geração foi criada em um tempo de certezas e princípios duradouros.
Sentimentos e valores associados à dignidade humana – amizade, amor, respeito, responsabilidade, compaixão, solidariedade – transformaram-se em produtos que duram o ciclo de vida de um mosquito, sendo logo substituídos por outros objetos de desejo, numa caçada interminável que só gera angústia e frustração.
Passados os primeiros momentos do isolamento social como medida preventiva para conter a disseminação do novo coronavírus – situação inédita que muitos imaginavam breve, só o tempo de passar o tal resfriadinho –, a histeria chutou portas confinadas. Sumiram das redes sociais as exibições diuturnas de dancinhas, teatrinhos, treininhos, ensaios mascarados e preparo de receitinhas. Enfim, cansaram-se rapidamente do novo normal e retornaram ao velho normal de sempre.
Alguém pode argumentar que isso é bastante compreensível, uma vez que nós, humanos, vivemos em comunidade e necessitamos uns dos outros. O equívoco está na interpretação literal dessa máxima em meio à tragédia que ora enfrentamos. Socializar ou interdepender não significa cercar-se fisicamente de gente – sem máscara – as vinte e quatro horas do dia, mas sim que cada ação realizada por uma pessoa no Brasil afeta um semelhante no Japão.
O mesmo acontece se um jovem britânico sair desprotegido da ilha fria em busca de calor no continente – as praias portuguesas do Algarve, por exemplo –, ele poderá espalhar o vírus e prejudicar multidões de todas as idades em todo o planeta.
Enquanto não houver uma vacina eficaz, ficar em casa ou usar itens de proteção individual e manter o distanciamento recomendável é a maior demonstração de cuidado com o outro e de valorização da própria vida.
É irritante insistir no mesmo assunto após meses de conscientização e sensibilização por parte de especialistas e órgãos de saúde. Ultrapassamos nesta semana a triste marca de um milhão de mortes por Covid-19 no mundo, em apenas oito meses, muitas evitáveis se tivéssemos seguido as orientações sanitárias amplamente divulgadas pela imprensa. Um milhão é a população inteira de capitais como a brasileira Maceió ou a europeia Bruxelas.
Quero e preciso acreditar que, nesse período de afastamento físico, alguma reflexão fizemos e alguma evolução alcançamos. Paremos de buscar graça em coisa séria. Há situações excepcionais que exigem atitudes maduras. A pandemia do novo coronavírus é uma delas. Não deixemos que a preciosa vida se dilua na insensibilidade e irresponsabilidade de alguns.
E aqueles que, felizmente, não perderam entes queridos para a terrível Covid-19, joguem as mãos para o céu, agradeçam, cuidem de si, dos que estão vivos e respeitem o luto de milhares. É o mínimo a fazer.
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*Publicado originalmente em 02/10/2020 no Blog Lugar ArteVistas, onde escrevo mensalmente às primeiras sextas-feiras.
2 outubro, 2020 at 12:16 pm
Sábias palavras!
É triste ver a irresponsabilidade e insensibilidade das pessoas num momento tão tenebroso. Infelizmente ainda há quem acredite que isso é apenas uma “gripezinha”. Aliás, isso não, Covid-19 é o nome da grande praga que nos assola.
Beijo grande, Celma.
2 outubro, 2020 at 1:01 pm
Exatamente, minha querida, obrigada pelo seu comentário lúcido e solidário. Beijos