O que significa essa foto antiga no meu post de hoje?
Uma resposta óbvia poderia vir a partir de outra pergunta: Qual a rotina de uma jornalista-escritora que acabou de operar o tornozelo fraturado?
Escrever e ler muito, não é? Não que isso seja privilégio da minha profissão, aliás eu preferiria não estar passando por isso, mas já que…? Por que não aproveitar o repouso forçado da melhor maneira possível, fazendo duas das coisas que mais gosto?
Para completar a delícia que é ler e escrever, amo também xeretar álbuns de fotos antigas no próprio celular. E eis que me deparei hoje cedo com uma que me encheu de saudade e gratidão. Eu, na fazenda “Não me Deixes”, no sertão central cearense, abraçada a Maria Luiza de Queiroz, irmã de uma das maiores escritoras brasileiras, sim, ela mesma, a grande Rachel de Queiroz, falecida em 2003.
Era maio de 2012. Dias antes da minha primeira ida à “Não Me Deixes”, eu me encontrava a trabalho em Nova Iorque conferindo pessoalmente alguns dados inseridos no meu livro de estreia, um relato da minha experiência como moradora temporária da metrópole norte-americana no final dos anos 1990.
À época, o livro “Descascando a Grande Maçã” [Editora Sete], estava em fase de revisão para ser lançado em julho daquele ano e eu, para ganhar tempo, antecipei o envio do rascunho final para a pessoa que prefaciaria a obra.
Recebi, então, uma ligação do Brasil, mais precisamente do Rio de Janeiro, onde residia a minha querida e inesquecível primeira “madrinha” literária. Maria Luiza – chamada carinhosamente de “Izinha” pelos mais íntimos era também escritora – queria tecer pessoalmente alguns comentários sobre a minha narrativa, e marcamos encontro na lendária fazenda da sua família, tão logo eu retornasse ao Brasil. Ela deveria chegar do Rio dentro de alguns dias.
É claro que aceitei o delicado convite e foi um dia memorável. Degustamos caipirinhas feitas com o premiado e artesanal destilado cearense, “Cachaça de Rolha”, e saboreamos uma deliciosa comida de fazenda, tudo preparado com o carinho do super time da “Não me Deixes”, formado por Teresa, Rosita, Mazé, Lúcia e Aldemir, o Guidinha.
Em seguida, nos apossamos de redes branquinhas no alpendre e conversamos longamente sobre o meu livro. Com a sua larga experiência de revisora da irmã famosa, Izinha deu-me preciosas dicas e eu atendi prontamente as alterações sugeridas.
Antes de retornar a Fortaleza, conheci o refúgio literário de Rachel, anexo ao casarão, e pedi licença para sentar-me à mesa onde ela escreveu alguns de seus geniais romances e as deliciosas crônicas para vários jornais brasileiros durante as temporadas em que desfrutava do amado cenário nordestino. Sem internet, Izinha contou-me que levava às pressas os textos à cidade de Quixadá, de onde enviava, via telegrama ou fax, às redações.
Na despedida, entre abraços afetuosos registrados na sala do casarão, sob as bênçãos da imortal Rachel de Queiroz (foto), ganhei o nome de “enxerida”. Maria Luiza justificou a brincadeira admitindo que era assim que se dirigia na intimidade familiar à primeira mulher a entrar para a Academia Brasileira de Letras (ABL). Senti-me acolhida de verdade e recebi como um enorme elogio à coragem dos escritores, especialmente das escritoras.
Voltei outra vez à “Não Me Deixes”, acompanhada da querida amiga Lourdinha Leite Barbosa, prima da Rachel e Izinha.
Sempre que eu ia ao Rio, a primeira coisa que eu fazia era visitar Izinha em seu apartamento no Leblon, palco de tantos saraus literários frequentados pelos maiores escritores do século 20. Conversávamos horas, observadas por obras de grandes pintores brasileiros, amigos pessoais das irmãs Queiroz.
Nesses momentos, Izinha insistia em me cobrar a criação de um romance. “Será que eu consigo?”. “Consegue, sim, largue tudo e vá para a ‘Não me Deixes’ escrever na mesa da Rachel. A inspiração virá naturalmente”.
Que generosa profecia da minha inesquecível amiga. Lancei há seis meses o meu primeiro romance, “O Segredo da Boneca Russa”. Não o escrevi na mesa da Rachel, mas me inspirei muito em sua vasta e rica trajetória.
Izinha despediu-se para sempre em 15 de dezembro de 2016, sem presenciar o resultado da sua profecia, mas chegamos a trocar ideias sobre a narrativa várias vezes.
Gratidão sem fim às pessoas e aos lugares que permitem nos apossar de seus afetos e imagens para formar nossas próprias memórias.
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11 junho, 2019 at 7:43 pm
Quando li o título só me lembrei do livro que emprestei a uma amiga e essa nunca me devolveu! Kkk Espero que esteja fazendo bom uso, tem receitas maravilhosas! Vou pensar duas vezes antes de emprestar o livro de outra escritora cearense fabulosa O Segredo da Boneca Russa. Risos.
11 junho, 2019 at 8:49 pm
Você que é fabulosa, minha querida Mari! Obrigada! 🥰❤️
11 junho, 2019 at 8:44 pm
Emocionante . como voce escreve com a alma.
11 junho, 2019 at 8:50 pm
Muito brigada, querido Bringel! 📚🍀
12 junho, 2019 at 6:37 pm
A Crônica de ontem nos leva pelo belo roteiro de ricos encontros literários. Delberg
12 junho, 2019 at 6:49 pm
Obrigada pelo comentário, querido Delberg! Abraços
13 junho, 2019 at 8:06 pm
Como sempre seus relatos fiéis nos transportam …. esse em especial pois Não me Deixes, vizinho ao Junco, fazenda vizinha, onde passava minhas férias quando criança, dos meus queridíssimos tios :Ines( irmã da mamãe e Roberto (irmão da Tia Raquel); e nesses “alpendres” passávamos tardes e tardes, Maria Ines( minha prima) ouvindo suas histórias. Inesquecível !
13 junho, 2019 at 8:16 pm
Que privilégio, amiga querida! Você deve ter belas memórias. Fico feliz em tê-las despertado. 🥰
14 junho, 2019 at 1:17 am
Parabéns Celma, excelente crônica.
14 junho, 2019 at 6:08 am
Muito obrigada, querido amigo.