Estou sozinha no primeiro andar da Casa. Observo, do meu incômodo exílio voluntário, as manifestações “cívicas”. Que multidão é essa, minha gente? De onde vem todo esse ódio? Pessoas que pregam tolerância, compaixão, amor, solidariedade; Líderes que deveriam dar o bom exemplo. Tento entender, não consigo. Falo como cidadã comum que sou, como ser humano falível, não exerço cargo público comissionado, não sou filiada a nenhum partido político, nem votei na Dilma.
Diante de meus olhos assombrados, um festival de horrores Brasil afora.
Jovens espertos aos brados de “Estamos fazendo história”, recusando-se a estudar a história recente do país, de outro 13 de março, há cinco décadas, a apenas dois cliques no seu smartphone.
Adultos cidadãos – e, portanto, esclarecidos – estacionam seus carros nas ciclofaixas das ruas de acesso.
Nostálgicos do golpe de 1964 com faixas “Viva a Revolução!”.
Políticos corruptos com cartazes “Fora Dilma, Lula e PT”.
Empresários corruptores com camisas da CBF. Esses, pelo menos, são coerentes. A entidade máxima do futebol brasileiro está afundada em denúncias escabrosas de fraude, subornos e lavagem de dinheiro, em dobradinha com a “instituição de caridade” Fifa. Hilário, mas é verdade. É assim registrada para fugir dos altos impostos suíços.
Católicos convictos se recusam a sujar as mãos e rogam pela intercessão da virgem, “Nossa Senhora, esmaga a cabeça da Jararaca”.
Gays e “periguetes” fazem fila para tirar foto com um boneco Moro de sorriso escancarado que veste camisa estampando o rosto sereno de Bolsonaro.
Evangélicas, cujas mães, avós e bisavós conquistaram – à custa de humilhação e sofrimento – o direito ao voto e de protestar livremente nas ruas, portam cartazes “O feminismo não me representa”.
Bebês que ainda nem falam, cabecinhas amarradas com bandanas verde-amarelas, posam para selfies, com seus orgulhosos e sorridentes papais e mamães, imediatamente compartilhadas na festa das redes sociais: “Eu fui!”.
Há os sem noção que atiram para todo lado: “Contra tudo o que está errado”, e também aqueles bem-intencionados, creio, embora em número insignificante.
Colegas repórteres da grande mídia nacional, que deveriam esclarecer a população e primar pela verdade dos fatos, manipulam imagens e sonegam informações. Ok, precisam garantir o emprego, mas injúria tem limites. Cadê a dignidade? É constrangedor, humilhante. Nessa hora, sinto vergonha da profissão.
Nas redes sociais, uma foto da belíssima orla de Fortaleza com uma pergunta meio indignada, meio decepcionada: “Por que a Globo não mostrou a nossa manifestação?”. A resposta é simples: Porque não se trata de concurso de cartão postal ou de fotografia. Estamos falando do futuro de uma nação, a nossa.
Recebi inúmeros chamados do tipo “Vem pra rua!”. Não fui.
Quando eu fui pra rua defender o trânsito compartilhado, ouvi comentários irônicos, do tipo “As ruas de Fortaleza são muito estreitas para comportar ciclofaixas”. Pois, sim! Quando eu quis ir pra rua me apossar das calçadas e praças, fui destituída da ideia tresloucada e, mais, incentivada a blindar carro e portaria do condomínio. Quando eu fui pra rua pedir pela não violência e educação pública de qualidade para todos, fui taxada de “petista”, a pior das ofensas contemporâneas.
Antes de protestar nas ruas, vou tentar cumprir, pelo menos, algumas leis básicas de trânsito, como a de não dirigir depois de beber, não estacionar em vagas de idosos, não ultrapassar a velocidade mínima permitida onde não há sensores eletrônicos, não usar o GPS para fugir de blitz da lei seca, não atravessar sinais amarelos. Sabe o lema “Começar por mim”? Esse mesmo! Aquele que nossas mães nos ensinaram na infância e abandonamos não sei em que estágio da vida.
Desci para o térreo. Sem superpoderes para indicar quem quer que seja ao Paredão. Se os tivesse (os superpoderes), mudaria muita coisa. Mantenho, contudo, minhas convicções, pudores e sonhos. De um país mais justo, sem campanhas políticas milionárias, sem troca de cargos públicos como se fossem mercadorias, sem senhores e escravos.
Para concluir, não me pergunte de que lado estou. Não tenho lado, tenho coração e mente. Eu penso e sinto. Só isso.
14 março, 2016 at 7:53 pm
Muito corajoso. Ótimo para refletirmos nossos atos. Parabéns! Estou orgulhoso de você. Te amo.
14 março, 2016 at 8:16 pm
te amo! ❤️
14 março, 2016 at 8:06 pm
Excelente texto! Vamos pras ruas todoa os dias, procurando sermos melhores cidadãos.
14 março, 2016 at 8:17 pm
Obrigada! ☺️
14 março, 2016 at 10:43 pm
Celmita querida, lamento você não ter ido e não ter visto a beleza da manifestação …. Muito mais que revolta que você se refere havia um sentimento por mudança por um país mais justo e mais honesto !
Quanto às suas reinvindicacoes todas justas, e tão importantes quanto às nossas : um país onde a corrupção possa ser investigada e que os culpados sejam devidamente punidos . Isso serve para todos em todas as instâncias . Não é questão de partidarismo ….. É uma luta por um país mais sério .
❤️❤️❤️💋
14 março, 2016 at 11:17 pm
Obrigada pelo comentário, amiga querida! 😘
15 março, 2016 at 9:01 am
A clareza serena de um membro da família Real!!!
Minha sempre admiração, sou súdito
do afeto dessa Nobreza.
Com carinho.
RF Baiano
15 março, 2016 at 1:14 pm
Os súditos representam a verdadeira nobreza. 😀💐
15 março, 2016 at 10:26 am
D.Celma, sou suspeito para falar dos seus textos, pois sou fã incondicional. Mas as ideias foram muito de encontro às minhas agora. Revoltas equivocadas e atos equivocados em uma luta mais equivocada ainda.
Parabéns!!!
15 março, 2016 at 10:32 am
D. Celma, sou suspeito para falar sobre os seus textos, afinal sou fã incondicional. Mas este acabou indo bem de encontro às minhas ideias. Ações equivocadas, protestos equivocados e uma luta mais equivocada ainda.
É preciso refletir!
15 março, 2016 at 1:09 pm
O momento é mesmo de reflexão, Angelo, de um debate respeitoso, sem paixões ou excessos. Pensar diferente é saudável. Todos temos direito de externar nossas ideias. Isso é democracia. Há alguns anos, seria impossível. O Brasil está dando um show de democracia. Obrigada pelo comentário afetuoso, a recíproca é verdadeira, você sabe disso. Abraços
16 março, 2016 at 2:21 pm
Cara Celma, um dos melhores textos/depoimento no meio de toda a cretinice, caretice e mesmice que nos envolve de forma tão melancólica. Parabéns !
17 março, 2016 at 9:46 am
Que a nossa jovem democracia possa resistir, caro Wagner. Obrigada!
9 junho, 2016 at 10:34 pm
Também não fui…assino em baixo seu belíssimo texto.Um grande abraço!!!
12 junho, 2016 at 6:56 pm
Obrigada, querida Valeria. Bjos