Sem medo, sem rótulos

Naquela quinta-feira à noite, enquanto desfrutávamos com amigos de momentos agradáveis em nossa casa, em Fortaleza, um grupo de fanáticos acertava os últimos detalhes do que viria a ser o pior massacre na Paris pós-guerra.

 

Trinta dias se passaram desde a sexta-feira 13 de novembro e ainda me custa acreditar na matança de 130 pessoas inocentes e o saldo de mais de 350 feridos, muitos em estado grave. Se já é difícil acreditar, que dirá entender. Não sou capaz, por mais que tente.

 

Igual reação se manifesta em relação à matança de janeiro na redação do Charlie e no supermercado kosher. Mesmo diante das justificativas apontadas equivocadamente por algumas pessoas – as “blasfêmias” contra o profeta Maomé, no caso da barbárie do início do ano –, não há atenuantes racionais para qualquer dos acontecimentos.

 

Atentar contra os símbolos da liberdade, igualdade e fraternidade é desprezar a boa vontade e a capacidade de compreensão do mundo civilizado. Para mim, é aflitivo perceber o desafio que temos pela frente: descobrir formas possíveis de convívio com as diferenças. Ora, se já é difícil aceitar a diversidade de ideias e atitudes entre o nosso círculo íntimo de amizades, como conviver com os diferentes grupos que nos cercam? Mas precisamos tentar. Que tal começarmos pela eliminação de rótulos? “Ele/ela é gay”; “evangélica”; “periguete”; “ateu”; “negro”… As pessoas são mais do que essas rasas designações cuja única função é alimentar o preconceito.

 

Nas comunidades primitivas vivia-se em grupos fechados onde todos tinham o mesmo comportamento, eram motivados apenas por laços afetivos e partilhavam as mesmas crenças. Mas o mundo mudou, brothers, vivemos no século vinte e um, estamos (moradores de Fortaleza) a seis horas e meia de Lisboa e a sete horas de Miami. Isso significa que as distâncias e fronteiras físicas deixaram de ser empecilho para um intercâmbio cultural que só nos enriquece e acrescenta.

 

Não podemos permitir que destruam nossas conquistas democráticas, nosso direito de ir e vir, nossa liberdade de expressão e pensamento. Continuarei planejando estadias no exterior sempre que possível. Continuarei usando o metrô, o ônibus, me apossarei dos parques, ruas e calçadas. Isso vale também para o Brasil. Superar o medo é atitude das mais urgentes.

Sobre Celma Prata

Celma Prata é jornalista e escritora fortalezense. Autora do romance “Bodum” [2022], “Confinados” [2020], finalista do Prêmio Jabuti 2021 na categoria Conto; do romance "O segredo da boneca russa" [2018]; e dos livros de não-ficção "Viver, simplesmente" [2016]; e "Descascando a Grande Maçã" [2012], todos pela Editora Sete. É membro da Academia Cearense de Letras, da Academia Fortalezense de Letras, da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil e da Sociedade Amigas do Livro, entidade cultural em que presidiu o conselho diretor, de 2016 a 2020. Ver todos os artigos de Celma Prata

12 respostas para “Sem medo, sem rótulos

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