Eu sou a liberdade, “mas”…

Há muitos significados em “Je suis Charlie”. Para mim, o principal deles chama-se liberdade.

Está na essência humana a necessidade de ser livre. E isso vai muito além de estar do lado de fora das barras de ferro ou muros altos e cercas elétricas de uma penitenciária.

Falo da liberdade para pensar e falar o que bem quiser e agir como lhe der na telha. E assumir as consequências, é claro, sejam quais forem. Mas ninguém falou que era fácil ser livre. E não é mesmo!

Difícil e incompreensível para mim é ver tanta gente que se autodeclara livre, humana e solidária, afirmar que “não apoia o massacre do jornal semanário de Paris, Charlie Hebdo”, que o ato é “injustificável”, blá, blá, blá, masah, obsceno “mas”!“compreende” a atitude dos terroristas, responsabilizando as vítimas pelo próprio assassinato, como se o ato de “desenhar” pudesse ser comparado ao ato de “matar”.

Como defendo a total e irrestrita liberdade de expressão – não apenas por ser jornalista, mas principalmente por ser cidadã livre –, tenho que ler e ouvir disparates desse tipo. Sorte minha que não preciso concordar. Sorte deles que não sou nem radical nem fundamentalista, senão a minha ferramenta de escrita poderia facilmente se transformar em arma letal direcionada para quem ousasse discordar de mim.

O pensamento dessas pessoas “compreensivas” com atos assassinos chancela atitudes das mais diabólicas. Nessa linha, até Hitler pode ser justificado, pois ele certamente tinha suas razões para construir campos de concentração para matar ciganos, deficientes físicos, homossexuais, judeus e outros seres “imperfeitos”.

Qual será a próxima exigência dos fundamentalistas? Como questiona o colega Plínio Bortolotti (em seu blog de 17/01), seria “proibir mulheres de biquine nas praias para não ofender o profeta?” E aí? Você vestiria suas filhas de burca? Give me a break, please!

São os cartunistas e seus desenhos que denunciam de forma satírica a opressão e as ideologias radicais exterminadoras da diversidade de pensamentos e ideias. São os cartunistas que estimulam a reflexão, que nos fazem exercitar a liberdade de pensar e de discordar seja lá de quem for. Para que você tenha o direito de xingar nas redes sociais os partidos políticos, seu e dos outros, de xingar a presidenta do seu país, de fazer troça de pessoas públicas, sem ter que vir um radical descarregar um fuzil automático em você.

Não é bom ser livre? Não é bom viver numa democracia? Então, caros, pensem duas vezes antes de dizer que “não são” Charlie. Não dá para dizer que defende a liberdade, “mas” que entende os motivos dos assassinos. Uma coisa ou outra.

Dedico esse texto aos meus filhos, para que fujam da liberdade meia-boca e possam usufruir de todas as alegrias e tristezas desse ato.

Sobre Celma Prata

Celma Prata é jornalista e escritora fortalezense. Autora do romance “Bodum” [2022], “Confinados” [2020], finalista do Prêmio Jabuti 2021 na categoria Conto; do romance "O segredo da boneca russa" [2018]; e dos livros de não-ficção "Viver, simplesmente" [2016]; e "Descascando a Grande Maçã" [2012], todos pela Editora Sete. É membro da Academia Cearense de Letras, da Academia Fortalezense de Letras, da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil e da Sociedade Amigas do Livro, entidade cultural em que presidiu o conselho diretor, de 2016 a 2020. Ver todos os artigos de Celma Prata

13 respostas para “Eu sou a liberdade, “mas”…

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