Ameaças a recém-nascidas

Viva! Nós, fortalezenses, estamos a um passo de entrar para a história.

Nossa cidade é a única do mundo civilizado contemporâneo cujos moradores de determinada área dita ‘nobre’ ameaçam com argumentos toscos e nada cidadãos fazer um abaixo-assinado para acabar com as tímidas ciclofaixas recém-desenhadas em duas de suas vias.

Duas? Exatamente, caro leitor! Duas ruas por onde trafegavam exclusivamente caros – e poluidores – automóveis importados. Inclusive o meu.

Gosto de comparar coisas que, à primeira leitura, podem soar incompatíveis.

Fortaleza tem mais de 2,5 milhões de habitantes (estimativa IBGE/2013) e área de 314,9 km². Paris tem trezentos mil moradores a menos e superfície três vezes menor. “Então, Fortaleza tem mais ciclofaixas que Paris!”, alguém pode palpitar. Errado! Deveria, mas infelizmente está longe de ser assim.

Tenho até vergonha de registrar isso, mas – pasmem! – Fortaleza tinha até um mês atrás apenas dois quilômetros (agora são seis) de ciclofaixas, contra trezentos de Paris. Eu falei tre-zen-tos quilômetros!

Tudo começou quando, no primeiro domingo de agosto passado (4), alguns ativistas do movimento ‘Massa Crítica’ pintaram uma ciclofaixa temporária ao longo da minha rua. “Finalmente alguém despertou para o problema do excesso de carros que gera engarrafamentos insuportáveis em horários de pico!”, comemorei. A pauta dominou várias esferas e, trinta dias depois, a Prefeitura providenciou ciclofaixas definitivas.

A iniciativa, embora rasteira, tem o meu total apoio. Mas parece que sou minoria. Ao contrário do que eu esperava, a ação desencadeou uma enxurrada de protestos de moradores que se sentem incomodados ou lesados.

Comentários nas redes eletrônicas refletem tudo, menos cidadania ou senso de coletividade. “Não podemos mais estacionar os carros em frente de nossas casas”; “As ruas já eram muito estreitas, agora então”; “A quem interessam essas ciclovias (sic), porque, ciclista que é bom, nunca vi um passando por elas”.

Aqui e acolá, um depoimento mais sensato. “Acredito que após a ciclovia (sic) se tornar plena, os cearenses vão começar a utilizá-la. Vai demorar um pouco para os donos de carros grandes entenderem isso. Temos que começar a pensar que a rua não foi feita somente para carros particulares.”

Eu mesma contribuí para a discussão, mas sob outro viés, pois minha preocupação consiste em me expor aos assaltos da região e ficar sem meus pertences ou mesmo a vida. “Vou providenciar várias sucatas para poder usar as ciclofaixas de Fortal: bike, celular, bolsa fake de grife e por aí vai…”, escrevi fazendo graça no perfil de um amigo em uma rede social.

O debate é saudável e útil. Sei que ainda precisa de muito, que é necessário interligar as vias e dar segurança aos ciclistas para que não sejam vítimas de motoristas deseducados ou de frios assaltantes. Mas precisamos apoiar as ciclofaixas. Alguém tinha que começar. As evoluídas cidades do ‘primeiro mundo’ não ficaram prontas da noite para o dia.

Restam aos nossos principais gestores públicos municipais dar o melhor exemplo. Que tal imitarem a colega francesa Anne Hidalgo? A vice-prefeita de Paris – e candidata ao cargo de prefeita nas próximas eleições (março de 2014) – vai trabalhar diariamente de bicicleta.

Há tantas maneiras de demonstrar evolução social, não é mesmo? Vamos aproveitar, conterrâneos, para um dia podermos urrar “Vivas!” à nossa Fortaleza querida e lotadinha de ciclistas. Moi, inclusive.

Em tempo: Segundo especialistas, as ciclofaixas (ao contrário das ciclovias) são a opção mais rápida e barata, por usar basicamente tinta e tachas para separar os espaços em ruas já existentes e que serão compartilhados daí em diante.

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Para entender melhor:
Ciclovias: ruas apenas para bicicletas, onde carros não entram
Ciclofaixas : faixas demarcadas no chão, exclusivas para ciclistas

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Fontes:
IBGE
INSEE
UOL NOTÍCIAS

Sobre Celma Prata

Celma Prata é jornalista e escritora fortalezense. Autora do romance “Bodum” [2022], “Confinados” [2020], finalista do Prêmio Jabuti 2021 na categoria Conto; do romance "O segredo da boneca russa" [2018]; e dos livros de não-ficção "Viver, simplesmente" [2016]; e "Descascando a Grande Maçã" [2012], todos pela Editora Sete. É membro da Academia Cearense de Letras, da Academia Fortalezense de Letras, da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil e da Sociedade Amigas do Livro, entidade cultural em que presidiu o conselho diretor, de 2016 a 2020. Ver todos os artigos de Celma Prata

20 respostas para “Ameaças a recém-nascidas

  • Mariana

    Fico horrorizada com a falta de educação das pessoas que avançam na faixa de ciclistas como se estivessem fazendo a coisa certa e os ciclistas estivessem errados. O grande problema dos fortalezenses é olhar só para o próprio umbigo sem se preocupar com o bem estar do próximo! É revoltante!

  • rose

    Nosso povo não tem educação no trânsito, mas aos poucos vão se acostumar e quem sabe vamos ter muitas pessoas utilizando esse meio de transporte. Eu já usei bicicleta para ir p trabalho algumas vezes mesmo contra a vontade de alguns. bjs

    • Celma Prata

      Isso mesmo, Rose. Quero ir pedalando para o trabalho, mas antes preciso convencer “alguns”. Ehehe… Temos que insistir, ainda mais agora com as ciclofaixas. Valeu o comentário e a visita! Beijos

  • Izabel Ribeiro Machado

    Celmita, seu artigo bem feito e bem escrito,😊 acho apenas, que vc como outros não entenderam a discórdia geral quanto a escolha dos trechos….. estamos vivendo um período de 6 ruas ou avenidas interrompidas….. quem mora onde eu moro, só tem como via de acesso indo e voltando… essas duas ruas, Ana Bilhar e Canuto de Aguiar….já que Av santos Dumont ( dois trechos ), Av. Pe Antônio Tomáz, Av. Eng Santana Jr., Via Expressa, então essa escolha nesse momento foi muito infeliz !!!! Além do que nesses trechos, os pivetes estão derrubando os ciclistas e levando as bikes !!!!!

    Date: Sun, 13 Oct 2013 23:21:45 +0000
    To: belribeiro2803@hotmail.com

    • Celma Prata

      Querida, obrigada por seu comentário sempre atencioso e sensível.
      O fato é que toda mudança gera manifestos contra e a favor e eu acho isso muito saudável.
      Na verdade, nunca existe um tempo perfeito para implantar ações do tipo. Se não fossem as obras de mobilidade para a Copa, seria outra coisa. Sempre vai haver protestos e, repito, isso é bom porque traz o tema para o nosso dia a dia, nos desperta para outras realidades.
      O correto mesmo, em minha opinião, seria implantar as ciclofaixas em todas as ruas, estreitas ou largas, a qualquer tempo.
      A longo prazo, acredito que todos acabarão se beneficiando, como já acontece em cidades do mesmo porte de Fortaleza, embora com outros índices socioeconômicos.
      Qualquer um pode se recusar a usar as ciclofaixas, seja por medo, por simples falta de vontade ou mesmo por limitações físicas. Não é isso que está em discussão.
      Agora, querer derrubar, com um abaixo-assinado (como noticiou a mídia sobre um movimento da minha vizinhança), uma ação que merece o aplauso de todos, com argumentos de que não podem mais estacionar defronte suas casas, isso para mim é lamentável, é não ter espírito coletivo.
      Esse foi exatamente o foco do meu artigo e é isso que defendo.
      Beijos

  • Karisia Pontes

    Seu artigo esta otimo e muito pertinente para o momento.Concordo que essas ciclofaixas e uma tendencia e uma contribuicao para melhorar a mobilidade urbana, mas como toda medida nova que interfere na vida e cotidiano das pessoas gera essa polemica, o que e muito saudavel.
    Apesar dos transtornos causados, acho que a populacao , principalmente os menos abastados que nao tem carro serao os mais beneficiados.
    BJS.

  • andreacoelho81@gmail.com

    Adoro as crônicas! Leio todas! Parabéns tia! Sou fã 😉 Beijo,

    Andréa de Almeida Coelho Salgueiro UniChristus / Medicina – 2015.1 facebook.com/andrea.coelho.52

    Enviado via iPhone

    >

  • AJBitar

    É uma vergonha uma cidade plana como Fortaleza, não ter coclovias ou nem mesmo ciclofaixas, que são mais simples e baratas p/ se fazer.

  • Valéria Prata

    O problema é que toda mudança gera um certo desconforto até para o bem, e o nosso povo não esta acostumado.Já era tempo de termos ciclovias ou ciclofaixas nas ruas e avenidas.Concordo plenamente com vc prima.Desculpa a ausência é que mudei de endereço,e ai já viu…mudança…rsss. Um grande abraço.Amo seus artigos!!!!

  • KATIA PATROCINIO

    Oi, Celma, fui sua professora na Unifor na disciplina de Radiojornalismo. Gosto muito de suas crônicas, Um grande abraço.

  • marielfernandes

    Você tem que escrever mais, guria. A gente sente falta de alguém que escreve bem, tem carro estrangeiro e ainda gosta de ciclovia.

    • Celma Prata

      Pois é, caro Mariel, continuo escrava das paixões (leia-se: trabalho), semana de fechamento de edição, me jogo. Tudo agravado por uma dessas viroses malucas que aparecem por aí.
      Mas eu sou assim mesmo, digamos, controversa: burguesa, revolucionária e … resolvida. 😉
      Super beijo e valeu a visita, recebi bem poucas nesta semana. ;(

  • Fabiana Nascimento Lopes

    Oi Celma!!!
    Pois bem…vim fazer uma visitinha e de cara pego um tema que a pouco tempo, eu e um grupo de amigas estávamos discutindo, não sei quantos Km de ciclofaixas tem Bh, mas a triste realidade é que nelas não encontramos ciclistas e sim carros estacionados…triste realidade!!!! Que nos faz pensar que em tempos de revolução, ou seria melhor, de evolução… nos costumes, na vida e principalmente nos comportamentos esse é um que temos que adquirir – cidadania.
    Um grande beijos
    Fabiana (NY 24/11/13)

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