De madame à doméstica

Você ainda é jovem, saudável, sem deficiência física ou outras necessidades especiais, sem filhos ou idosos dependentes em casa… Então, para que depender de empregados domésticos?

Se alguém me fizesse uma pergunta dessas um ano atrás, eu mandaria o inquisidor para o centro da fogueira de uma faxina doméstica.

Conversando ontem com uma querida amiga sobre minhas aventuras na minha mais nova função, demos boas risadas e resolvi registrar aqui minha evolução na arte de cuidar de uma casa, sem descuidar de mim e da minha profissão.

Corria de tarefas do lar como o diabo da cruz. Fazer a cama? Nunquinha! Limpar a gordura do fogão depois de uma fritura? Nem pensar! Preparar uma simples salada crua? No way! Colocar a roupa suja na máquina ‘lava e seca’? E a louça suja na lavadora? Cortar as frutas? Esquentar um congelado para almoçar ou jantar? Fazer a feira? E por aí vai… Cada pergunta dessas equivalia a um calafrio na espinha. Thriller!!!

Apesar de já ter morado em países que, há muito, libertaram as suas escravas domésticas, eu não sabia o que era ficar sem uma no Brasil. Até que minha última funcionária resolveu se casar e não trabalhar aos sábados. Sugeri, então, que fosse cuidar da própria casa, que eu cuidaria da minha. Nada a ver com a PEC que aterroriza as madames brasileiras. Foi bem antes.

O fato é que, há seis meses, me vi órfã e desamparada, mas decidida a conquistar minha autossuficiência doméstica. Reequipei a cozinha com todos os eletros modernos, me informei sobre congelados, reaprendi a fazer arroz, comprei luvas e dúzias e dúzias de papel-toalha.

Fiz workshop de tudo. A primeira vez que tentei vestir o edredon da minha cama super king size, me enrolei toda e sumi no meio de capas e panos. “Cadê você?”, meu marido gritou de lá. “Aqui, dentro do edredon!”, respondi sufocada. E o arroz ficou salgado… Tinha esquecido do poder desse pozinho. Uma colher das de sobremesa, e duas semanas de arroz foi todo pra lixeira. Enchi demais a lavadora de roupa, quando cheguei para almoçar, a cozinha estava alagada. Meu marido esqueceu o grill ligado e o apartamento quase incendiou. Esses fabricantes não entendem nada de rotina doméstica, como é que produzem um troço que não se autodesliga? Se alguém souber de alguma sanduicheira inteligente, compartilhe a dica, please!

Criada e (des)educada para não entrar na cozinha, tive que lutar por meus direitos domésticos. Estou a cada dia mais ‘safa’ e independente. Permaneço apenas com uma quinzenalista para limpar as vidraças, tirar o excesso de pó dos móveis e piso, além de passar o aspirador nos tapetes, porque nesses quesitos não obtive a média necessária. Fui reprovada com louvor!

Sobre Celma Prata

Celma Prata é jornalista e escritora fortalezense. Autora do romance “Bodum” [2022], “Confinados” [2020], finalista do Prêmio Jabuti 2021 na categoria Conto; do romance "O segredo da boneca russa" [2018]; e dos livros de não-ficção "Viver, simplesmente" [2016]; e "Descascando a Grande Maçã" [2012], todos pela Editora Sete. É membro da Academia Cearense de Letras, da Academia Fortalezense de Letras, da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil e da Sociedade Amigas do Livro, entidade cultural em que presidiu o conselho diretor, de 2016 a 2020. Ver todos os artigos de Celma Prata

16 respostas para “De madame à doméstica

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