“Meu gato morreu!”

A humanidade nunca mais ficará diante dos originais de obras valiosíssimas, como ‘Samba’, de Di Cavalcante, ou ‘A Floresta’, de Guignard.

Não ficou chocado? Pois eu fiquei, e muito! Mas o que me fez escrever neste espaço foi a declaração emocionada do colecionador de artes e marchand romeno, Jean Boghici, 84, diante da destruição de parte do seu rico acervo, causada por um incêndio em sua morada carioca, há dois dias. A tragédia foi tamanha que, até agora, já pautou duas edições da maior audiência em telejornalismo do país.

“Não quero saber de quadro, meu gato morreu!”, ele falou, com seu sotaque carregado, para o Brasil no dia seguinte.

O que faz alguém lamentar mais a perda de um bichano, cujos clones se encontram aos montes por aí, do que de obras únicas avaliadas em milhões de reais e até comparadas à ‘Monalisa’, de Da Vinci?

É muito desprendimento, minha gente! Há anos procuro exercitar o desapego às coisas materiais, mas o top bordado que usei na minha festa de aniversário de dez anos atrás – e que nunca mais usarei, simplesmente porque não atende às minhas novas medidas -, continua ocupando espaço no meu closet, resistindo a cada faxina fashion.

E agora me vem esse homem que valoriza mais a doce companhia do seu pobre gato do que o óleo milionário do artista … Essa eu não aguento. Que lição, hein, Boghici?

Eu não deveria, no entanto, me surpreender com nada disso. Para um sobrevivente de guerra, jovem imigrante ilegal que fez do Brasil sua nova pátria, a amizade – mesmo a de um bichano – vale mais que todo o ouro do mundo junto.

Sim, já empacotei o top, amanhã ele segue viagem…

Sobre Celma Prata

Celma Prata é jornalista e escritora fortalezense. Autora do romance “Bodum” [2022], “Confinados” [2020], finalista do Prêmio Jabuti 2021 na categoria Conto; do romance "O segredo da boneca russa" [2018]; e dos livros de não-ficção "Viver, simplesmente" [2016]; e "Descascando a Grande Maçã" [2012], todos pela Editora Sete. É membro da Academia Cearense de Letras, da Academia Fortalezense de Letras, da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil e da Sociedade Amigas do Livro, entidade cultural em que presidiu o conselho diretor, de 2016 a 2020. Ver todos os artigos de Celma Prata

6 respostas para ““Meu gato morreu!”

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