Roteiro de ouro

Da visita guiada por enólogo à degustação dos melhores vinhos, uma fantástica experiência ao pernoitar numa vinícola da primeira região demarcada do mundo, patrimônio mundial pela Unesco.

Um pé em Viseu – para pegar mais tralhas: jarras de carvalho europeu para servir vinho-, outro na Régua, destino Numão.

Ao pessoal da mapolândia, sugiro continuar a leitura, já vão entender. Sabe o que é sair de Fortaleza com destino a Paracuru, via Sobral? Foi mais ou menos isso que fizemos. Desculpem a piada sem graça, politicamente incorreta, mas demos uma de português.

Famintos, invadimos às 3h da tarde o primeiro restaurante de Pêso da Régua. O proprietário almoçava com sua família, ou seja, expediente encerrado, mas não hesitou em nos servir uma generosa porção do prato do dia, acompanhado de uma jarra de vinho da região. A última vez que saboreamos algo parecido foi no Rio de Janeiro, num domingo. É quarta-feira em Portugal, dia de Cozido à Portuguesa.

Exageramos. Ah, uma sesta! Estaria tudo bem se não fosse a quantidade de Douro pela frente e em cima da hora para o compromisso agendado há mais de dois meses. “Atire a primeira pedra quem nunca ‘sesteou’!”. “Ora, se até Napoleão ‘sesteava’ entre batalhas…”. Inútil argumentar com o meu herói de 30 anos de luta. Compromisso é compromisso. O roteiro dourado nos aguarda.

Da Régua, pegamos uma estrada estreita, sinuosa – e looooonga -, margeando o cenográfico rio, um espetáculo de encostas cobertas de vinhedos. Do lado de fora da janela, meu antebraço e minha digital, registrando tudo de pixel a pixel. Impensável parar, pior ainda perder as belas imagens à nossa frente. Uma hora e meia depois, sem encontrar viv’alma, cruzamos com o carro do jovem e impaciente anfitrião. A culpa foi dividida democraticamente entre os nossos inoperantes telemóveis, com atenuante para a matemática das estradas cuja ordem dos fatores altera (e como!) o produto. Esses foram os motivos declarados. Quanto ao cozido… (hummm), ele está sabendo neste exato momento. O competente expert da mais espectacular das quintas do Douro, na ausência de um plano B, deu meia-volta e nos recepcionou à altura do seu cargo e empresa.

A primeira impressão quando se chega à Quinta do Vesúvio é a de que o paraíso existe. E é a que fica. Uma paisagem de beleza surpreendente cujas formas lembram (mamma mia!) o adormecido homônimo napolitano. No meio das divindades, destaca-se a secular tradição de um dos mais apreciados e bem elaborados vinhos do mundo: o Vinho do Porto. Depois de visitar a enorme adega e os imensos lagares de granito, saímos para apreciar mais de perto a vista das encostas. Final do dia, o suave vento primaveril volta a soprar. É hora de regressar a Pêso da Régua ou, simplesmente, Régua.

Dia agitado, retorno tranqüilo. A essa altura, operando com pouco mais de 20% da nossa capacidade física e intelectual, aceitamos a gentil oferta do nosso anfitrião-enólogo-agora-amigo-para-sempre, para nos guiar até outra tradicional vinícola do Douro – Quinta do Vallado – onde passaríamos a noite. Outra experiência sem precedentes, contada em legendas e fotos. Após uma noite na superconfortável Suíte Azul e uma deliciosa refeição preparada pela cozinheira da própria quinta, visitamos sua adega e participamos do “chato” ritual de degustação dos vinhos.

Porto, aqui vamos nós! Fim do roteiro “anti-horário”, com gostinho de queremos muito mais em setembro, na “pisa” do vinho (ou “lagarada”, como se chama no norte). 

A região:

O Douro é uma subregião que compreende 19 Concelhos: Alijó, Armamar, Carrazeda de Ansiães, Freixo de Espada à Cinta, Lamego, Mesão Frio, Moimenta da Beira, Penedono, Peso da Régua, Sabrosa, Santa Marta de Penaguião, São João da Pesqueira, Sernancelhe, Tabuaço, Tarouca, Torre de Moncorvo, Vila Flor, Vila Nova de Foz Côa e Vila Real.

A cidade:

Pêso da Régua (ou simplesmente Régua) é uma cidade do distrito de Vila Real e tem aproximadamente 10 mil habitantes. Conhecida como a capital do vinho e da vinha.

A visitar em Pêso da Régua:

Solar do Vinho do Porto, onde especialistas explicam as diferenças entre os diversos tipos deste néctar.

Onde se hospedar:

Quinta do Vallado

Vilarinho dos Freires/Frades

5050-364 – Pêso da Régua

Tel- 254 323147 – Fax- 254 324326

vallado@mail.telepac.pt

A visitar na região:

Quinta do Vesúvio

Numão

5155 – Cedovim (Na margem sul do Rio Douro, entre os castelos de Numão e Lavandeira)

Tel.: 079-78270; Tel. sede: 02-3706063/4/5

www.quintadovesuvio.com/pt/quinta.asp

Gastronomia

Cozido à Portuguesa (para 8 pessoas)

Ingredientes:

  • 1 frango ou meia galinha
  • 1 salpicão
  • 1 chouriça de carne 
  • 1 chouriço de sangue 
  • 400 g de costelas (entrecosto)
  • 4 a 5 ossos de suã (espinhaço) 
  • 1 orelheira e beiça (focinho) 
  • 1 couve lombarda 
  • 1 couve portuguesa
  • 5 cenouras 
  • 3 nabos
  • 5 a 6 batatas 
  • 8 *rabas (facultativo) *Raba é uma raiz que se usa em algumas zonas de Trás-os-Montes. Tem a forma de uma cenoura, podendo ser muito mais grossa do que esta, mas com uma cor branco-amarelada. O sabor lembra ao mesmo tempo o do nabo e da cenoura.

Para o arroz:

  • 750 g de arroz
  • 1 cebola 
  • 2 dentes de alho 
  • 3 colheres de sopa de azeite 
  • sal 
  • pimenta

Modo de Preparo:

Espetam-se uns palitos de madeira nos chouriços (de sangue e de carne) e cozinha-se em água simples.
Numa panela com água cozinha-se os ossos de suã, depois de bem lavados. Depois dos ossos um pouco cozidos, coloca-se na panela o entrecosto e o frango (ou a meia galinha), a orelheira e beiça e o salpicão. Estas carnes retiram-se à medida que vão cozinhando. Em seguida cozinha-se os legumes descascados na água de cozinhar as carnes.
Começa o preparo do arroz: pica-se a cebola e doura-se ligeiramente no azeite, juntamente com os dentes de alho apenas pouco amassados. Retira-se os alhos quando começam a dourar. Refoga-se bem o arroz bem lavado e escorrido. Tempera-se com sal e pimenta. Rega-se com o caldo onde cozinharam as carnes e os legumes. O caldo deve ter o dobro do volume do arroz. Quando levantar fervura põe no forno, devendo ficar bem seco.
Para servir, cortam-se as carnes, aquecem-se no caldo e colocam-se numa travessa juntamente com os legumes. O arroz é servido à parte, decorando-se a superfície com os enchidos e eventualmente rodelas de cenoura.

Curiosidades

Em Trás-os-Montes e no Alto Douro, o Cozido à Portuguesa é um prato muito popular no carnaval. Como a maioria das pessoas «mata» antes do Natal e guarda no fumeiro a orelheira e o focinho (beiça), é necessário colocar as carnes de molho de véspera. O entrecosto e os ossos da suã são salgados, pelo que deverão ser bem lavados antes de serem cozidos. No Verão a couve é substituída por molhinhos de feijão verde.

Rota do Vinho do Porto

Associação de Aderentes

Largo da Estação – Apartado 113

5050 – 237 – Pêso da Régua – Portugal.

Tel- 254 – 324 774 / Fax- 254 – 321 746.

reservas@rvp.pt geral@rvp.pt

Mais curiosidades:

Entre os muitos náufragos que perderam a vida nos rápidos do Douro, o inglês Joseph James Forrester é o mais famoso, já que se tratou de um importante homem do seu tempo, tendo realizado trabalhos notáveis no desenvolvimento da região e no combate à praga do oídio que lhe valeram o título de barão, concedido pelo rei português D. Pedro V.

Ele viajava no mesmo barco de D. Antónia Ferreira, figura histórica da região, que se terá salvo devido as saias em balão, que serviram como flutuadores. Já o barão, diz o povo, não terá tido nenhuma hipótese porque estava carregado com moedas de ouro no cinto.

Dentro da unidade geográfica da Região Demarcada do Douro, que engloba acentuadas assimetrias e uma diversidade física e natural, destaca-se a actividade vinícola, nomeadamente a produção do Vinho do Porto, que desde ao romanos, tem marcado a história desta região.

No século XVIII, o Vinho do Porto adquire uma importância tal, que Marquês de Pombal decide criar, em 1756, a Região Demarcada do Douro, a primeira região demarcada do mundo, com o intuito de evitar a fraude de vinhos feitos com uvas de outras regiões. Esta Região Demarcada do Douro, tradicionalmente, está dividida em três sub-regiões: o Baixo Corgo, o Cima Corgo e o Douro Superior.

Como forma de aproveitar toda a riqueza e tradição da Região Demarcada do Douro, é criada em 1996 a Rota do Vinho do Porto. Constituída por 49 locais, ligados em rede e direta ou indiretamente ligados à produção do Vinho do Porto e Douro. Visando o desenvolvimento regional, através da diversificação e divulgação da oferta turística, que se traduz numa melhoria de vida das populações rurais, invertendo a tendência do êxodo rural, contribuindo para a fixação dos viticultores.

Para concretizar estes objetivos a Rota do Vinho do Porto propõe aos visitantes a realização de um conjunto de mini-rotas pela região tomando contacto directo com as formas de cultivo e produção dos Vinhos do Porto e Douro, com as suas gentes e costumes.

Assim, a Rota do Vinho do Porto tem à disposição do visitante um conjunto de serviços que se relacionam com as raízes e história do Douro, nomeadamente através das Visitas e Provas de Vinhos nas Quintas produtoras de Vinho, os almoços e jantares nas quintas nos quais é possível saborear a gastronomia tradicional duriense, e a possibilidade de alojamento nas mais belas e seculares quintas da Região do Douro. Tudo isto, complementado com uma animação cultural que inclui atividades como os “Laboratórios de Sabores” que permitem aos visitantes efetuarem provas de Vinhos do Porto e experimentarem os sabores dos Produtos Regionais.

Durante a época das vindimas (setembro/outubro), as encostas do Douro ficam animadas com milhares de pessoas que colhem e transportam as uvas em cestos.

Mas ainda é muito normal a pisa da  uva ser feita à velha maneira: com os pés descalços.  Claro que isto  só acontece quando  as  uvas  e  o mosto produzido  não se  destinam aos grandes produtores.

Sobre Celma Prata

Celma Prata é jornalista e escritora fortalezense. Autora do romance “Bodum” [2022], “Confinados” [2020], finalista do Prêmio Jabuti 2021 na categoria Conto; do romance "O segredo da boneca russa" [2018]; e dos livros de não-ficção "Viver, simplesmente" [2016]; e "Descascando a Grande Maçã" [2012], todos pela Editora Sete. É membro da Academia Cearense de Letras, da Academia Fortalezense de Letras, da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil e da Sociedade Amigas do Livro, entidade cultural em que presidiu o conselho diretor, de 2016 a 2020. Ver todos os artigos de Celma Prata

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