Quem tem boca vai a Canas de Senhorim

Trancoso, Viseu, Gouveia… Cidades brasileiras? Não se apressem em responder. Nem Bahia, Pará ou Minas. Continuamos em Portugal, pois, pois! E, de novo, na estrada…

Noite atípica de primavera: fria e chuvosa. Desde que deixamos Estremoz, já se vão sete longas horas entre auto-estradas, portagens, uma paragem rápida para um lanchinho e, de relance, alguns closes no show de 1º de maio na praça de Castelo Branco, além de uma longa paragem na medieval Viseu, pois se saco cheio não dobra, saco vazio não fica em pé.

O solícito garçom indica as direções no nosso já surrado mapa. Estrada 231, sentido Nelas. “Vão andar um bocadinho, pouco mais de um quarto de hora” (fico a pensar que aqui se usa outra medida de tempo).

Lotados de cabrito e arroz de pato – e vinho-, demos ainda um giro por Viseu Gourmet (último dia da feira!). Programa fora do roteiro, mas imperdível!

Meu companheiro de 30 anos de estrada insiste em parar cada peão para confirmar se estamos na direção certa. Que mania essa de brasileiro perguntar em cada esquina! Para que servem os mapas, pois? Pois vos digo: nesse caso, para nada!

Pegamos à direita numa abertura que parecia uma estrada. Parecia. Fomos dar em lugar nenhum. Voltamos tudo de novo. Já estamos quase a desistir. Agora sou eu que faço questão de perguntar nos raros lugares ainda abertos.

Minha autoconfiança de viajante experiente vai rolando Dão abaixo. Cadê a placa dessa freguesia, minha N. Sra. de Fátima? Bem que nos alertaram que a ida ao santuário era garantia de uma feliz estadia em terras lusitanas. Mas o tal do livre arbítrio nos encaminhou a divindades bem pouco ortodoxas: mergulhamos literalmente na folia de Dionísio, vulgo Baco para os romanos.

Vamos telefonar para o Solar? Podem estar a pensar que não iremos mais. Uma voz grave e sonolenta me faz perceber que é preciso urgentemente oficializar o Brasileiro. É outro idioma que escuto do outro lado da minha caríssima linha de telemóvel verde-e-amarelo. Não consigo captar quase nada, mas voltamos outra vez para a estrada.

Mais perguntas, mais rotundas e retornos. Solidário, o incansável limpador tenta – sem sucesso – melhorar o nosso campo visual. Dobro onde? Sigo até onde?

Quase meia-noite quando, após um longo caminho ladeado de pinheiros e mimosas (que só conseguimos visualizar depois, à luz do dia), chegamos à praça da igreja matriz dessa bela-adormecida aldeia da Beira Alta. Ambos adormecidos, nós e a aldeia.

Quem nos recebe à porta da majestosa mansão do século 18 é a mesma senhora de estranho sotaque que agora, pessoalmente, reconheço como o meu querido Português. A distinta e jovial D. Maria Luisa Sampaio Abreu Madeira é quem hoje comanda o solar que pertence à sua família há mais de 300 anos.

Pela ambientação do hall de entrada, com duas magníficas carruagens postadas atrás da pesada porta de madeira, aos pés da espetacular escadaria de pedra que nos leva a um salão de estar aquecido por lareira no primeiro andar, pudemos vislumbrar todo o seu valor histórico.

Em seguida, fomos acomodados em um confortável quarto com ampla sala de banho e vista para a praça. Tive sonhos fantásticos, com trens-fantasma, carruagens antigas, palácios, estradas sinistras, e um som que remetia às manhãs de domingo da minha infância. Acordamos com as primeiras badaladas do sino da igreja. O pequeno almoço seria servido daí a pouco.

A região:

Beira Alta compreende os seguintes Distritos e Concelhos:

A cidade:

  • Canas de Senhorim é uma agradável Freguesia do Concelho de Nelas, com aproximadamente 4 mil habitantes. É conhecida por suas condições climáticas e pelas termas de São Pedro do Sul, Caldas da Felgueira (Nelas), Carvalhal (Castro Daire) e Alcafache (Viseu), especializadas no tratamento de problemas dermatológicos e respiratórios, artrite, asma e bronquite.

Onde ficar:

Solar Abreu Madeira

Largo Abreu Madeira, 7

3525-004 – Canas de Senhorim – Portugal

Tel/Fax: +351 232 671 183

A 25 km de Viseu, Estrada 231, direção Nelas

03 quartos, piscina, adega, salão de jogos, capela

Diária quarto duplo com café da manhã: 40 Euros

Como chegar:

Do Porto: A1 em direção à Lisboa, saindo para a Mealhada. Aqui tome a N234 em direção à Mangualde. Ao chegar em Canas de Senhorim, dirija-se ao centro e depois à Igreja Matriz. O Solar fica em frente.

De Viseu: Estrada 231, direção Nelas, Canas de Senhorim.

  • Curiosidades do Solar:

Em 1810, quando da terceira invasão napoleônica, os franceses espalhavam o pânico, pilhando, roubando, destruindo tudo à sua passagem. Ao grito “Vêm aí os franceses!”, as pessoas fugiam, levando consigo o que podiam, deixando escondido o que tinha mais valor. Objetos em prata e uma colcha Indo-Portuguesa (atestando um passado de prováveis viajantes pelo Oriente), foram enterrados para escapar à ambição dos franceses. Também os bacamartes são testemunhas silenciosas desse tempo. A capela setecentista, dedicada à N. Sra da Conceição, veio da Casa do Cruzeiro, também pertencente à família, e ainda hoje as duas imagens partilham as honras do altar.

Exposição a visitar:

Viseu Gourmet

Evento anual com o melhor da gastronomia e dos vinhos do Dão em ambientes decorados por arquitetos.

Local: Solar do Vinho do Dão

Viseu- Portugal

Entre os meses de abril e maio (4 dias)

www.viseugourmet.com

Onde Comer:

Restaurante O Cortiço

Rua Augusto Hilário, 45
Tel: 232423853

Viseu

Sobre Celma Prata

Celma Prata é jornalista e escritora fortalezense. Autora do romance “Bodum” [2022], “Confinados” [2020], finalista do Prêmio Jabuti 2021 na categoria Conto; do romance "O segredo da boneca russa" [2018]; e dos livros de não-ficção "Viver, simplesmente" [2016]; e "Descascando a Grande Maçã" [2012], todos pela Editora Sete. É membro da Academia Cearense de Letras, da Academia Fortalezense de Letras, da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil e da Sociedade Amigas do Livro, entidade cultural em que presidiu o conselho diretor, de 2016 a 2020. Ver todos os artigos de Celma Prata

2 respostas para “Quem tem boca vai a Canas de Senhorim

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

365 Days of Lebanon

one post a day of Lebanon through my eyes

Antimidia Blog

Textos sem sentido, para leituras sem atenção, direcionados às pessoas sem nada para fazer.

Resenha do Dexter

Blog sobre tudo e nada, ou seja, sobre o que eu escrever (E resenhas de Livros)

Admirável Leitura

Ler torna a vida bela

Reverso Literal

Blog, poesia, prosa, contos, escritos, literatura, arte, imaginação, livros

Lugar ArteVistas

#arteondeestiver

Farol Abandonado

poesia profana, solitária e melancólica

Diferentes Tons

Artes, Literatura, Moda

RePensandoBem

Roda de Conversas

Thiago Amazonas de Melo

Não acreditem em nada do que eu digo aqui. Isso não é um diário. Eu minto.

prata-na-crônica

Crônicas, Jornalismo e outras Narrativas

Livros e Leitura

Universo mágico da leitura

Riksaint Space

Um espaço dedicado às energias renováveis.

Estalos da Vida

As vezes a felicidade começa em um estalo!

Sobre os dias

sensações, vinhos e faltas.

Vila das Noivas

por Ingrid Martins e Aline Farias

%d blogueiros gostam disto: